Dele disse o crítico Eurico de Barros que não houve, em Portugal, cinema que chegue para o mostrar em toda a sua dimensão dramática. Os mais de 40 filmes que interpretou têm valores diferentes. E terá sido apenas já depois dos 50 anos que Nicolau brilhou, a espaços, no grande écrã.
'Anarquista de centro', como se denominou um dia em termos políticos, esteve nas eleições de 1969, como recordou ontem o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues; mas concorreu, já depois do 25 de Abril, com o apoio do CDS, à Câmara de Serpa, sua terra natal alentejana. 'Perdi para o candidato da CDU, de quem hoje sou grande amigo, e ainda bem, ele é um excelente autarca', afirmou Nicolau.
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É difícil encontrar quem tenha criado e mantido inimizades com Nicolau Breyner. 'Nunca vi ninguém chatear-se com ele', disse ao SAPO24 o actor António Capelo, que com ele trabalhou, muito, na área da ficção televisiva. 'Nunca o vi pôr-se em bicos de pés, tentar roubar protagonismo fosse a quem fosse'.
'Representar, para ele, era como respirar', sustentou António Capelo. 'Não fazia esforço nenhum, saía-lhe de uma forma natural: e era escusado, nunca sabia o texto', lembra o colega de profissão. O que vai de encontro à ideia que o próprio tinha sobre si. 'Dizem que isto de ser actor é 75% de esforço e 25% de talento; eu acho que é precisamente o contrário', afirmou numa entrevista.
'Ele não gostava de repetir', relembra Virgílio Castelo. 'Dizia que saía sempre melhor à primeira, e até assegurava, com graça, e enquanto director de actores, que primeiro se grava e depois se ensaia', revelou o actor. O que é corroborado pelo cineasta António Pero Vasconcelos, que, para além de admirar essa capacidade, se queixava de que isso, por vezes, impedia os outros de evoluírem. 'Às vezes são precisos vários 'takes', e para ele isso não era necessário', recorda.
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A sua generosidade e falta de noção do dinheiro é quase lendária entre os colegas de profissão. 'Cada vez que ganho muito dinheiro há em mim um sentimento de vergonha', adiantaria noutro espaço. 'Ele falou-me de querer comprar uma quinta no Brasil, e eu andei por lá a ver se arranjava algo', recorda Capelo, ele próprio um apaixonado pelo país e que lá detém propriedade. 'Mas depois nunca mais aparecia com o dinheiro; foi o Moita Flores que me disse para tirar daí a ideia, já que ele nunca tinha que chegasse, não poupava', revelou a mesma fonte.
Muitos recordam que, sem Nicolau, nem nunca na vida teriam chegado a ser actores. Como Nuno Homem de Sá, que está nas novelas televisivas pela mão de Nicolau Breyner, e que recorda que 'aos 18 anos andava sem saber o que fazer da vida, e foi ele que me trouxe para aqui, que me deu a mão'. Ele, Nicolau, soube cedo que queria palco, embora a veia lhe latejasse mais para a ópera. Um dia percebeu que os cantores líricos tinham de levar uma vida muito regrada. 'Não era para mim', confessou.
A positividade perante a vida é um traço que todos os que o conheceram realçam. 'Nunca remei contra a maré', afiançou já depois dos 70 anos. Mas pensou no que ainda havia para viver, quando há seis anos o cancro lhe bateu à porta. Aparentemente, não foi disso que morreu. Se bem que tenha frisado que, nessa altura, percebeu que tinha que pensar mais na sua mortalidade.
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Nem naquele que foi, talvez, o maior papel da sua vida enquanto actor de cinema – o inspetor Joaquim Malarranha de 'Imortais' - deixou de ser, sempre e só, um extraordinário feitor de verosimilhança humana. A capacidade de identificar, aparentemente sem esforço, os traços dominantes dos papéis que lhe cabiam, fez dele, também, um dos actores mais populares do seu tempo e, eventualmente, mesmo o mais conhecido da sua geração. António Capelo costumava chamar-lhe 'Nossa Senhora de Fátima'. 'Onde ele aparecia, toda a gente o conhecia e queria vê-lo; era uma aparição', graceja.
Um talento que começou a revelar-se cedo. No Conservatório foi um aluno brilhante e, recém-formado, foi Vasco Morgado que o levou para a revista. A comédia é, aliás, o lado mais conhecido de um homem dos sete instrumentos. 'Andei vinte anos a fazer comédia e 20 anos a fazer drama', dizia como que em sumário. Mas 'fiz muitas coisas na vida que ainda hoje estou para perceber porquê'.
Boémio, lutador de pés e mãos pelos cabarets, coureur de femmes, Nicolau Breyner confessou que o pai o 'acusava' de fazer 'caridade sexual'. 'Não sabia dizer que não', revelou. Um dia, no meio de uma gravação de novela, o estúdio pára durante meia-hora. 'O Nicolau tinha ido divorciar-se', recorda António Capelo. 'Para ele, a conquista era um exercício lúdico permanente', recordou o actor Virgílio Castelo.
Carlos Matos Gomes, autor do livro Nó Cego (sob o pseudónimo de Carlos Vale Ferraz) que levou António Pedro Vasconcelos a criar o argumento de 'Imortais', recorda ao SAPO24 que foi complicado encontrar o actor para a personagem do inspector Malarranha, que gostava de fados e tinha uma amante à moda antiga. 'Tinha de ser um tipo que gostasse de música', recorda o antigo coronel do Exército português. 'Foi o António Pedro [Vasconcelos] que se lembrou do Nicolau, e ele foi impressionante na interpretação que fez, até porque nunca tinha feito um papel daquele género', afirma.
'Ele olhou para o guião, leu uma parte do romance, e apanhou desde logo as características e todos os cambiantes do inspector', referiu Matos Gomes, que recorda com um sorriso a 'interpretação dele quando está com a Filó [a secretária de quem era amante no filme]'. Por curiosidade, conta que o mesmo esteve para ser rodado, em parte, em Moçambique, mas Samora Machel, então presidente daquele país africano, não deixou.
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Do Nicolau Breyner precursor da indústria de ficção televisiva já toda a gente falou. 'Irritava-me que não fizéssemos coisas como os brasileiros', desabafou um dia, para justificar como, com Thilo Krassman e com o apoio da RTP, construiu 'Vila Faia', a primeira telenovela portuguesa. Anos mais tarde havia de montar a sua prórpia produtora, a NBP, que trouxe para o grande público um significativo número de novos actores, deu alento e visibilidade aos antigos e criou uma 'nova fórmula de fazer coisas com que o público se identificasse', como definiu ontem o actor Diogo Infante. A 'invenção' de Herman José, no 'Feliz e Contente' do ínício dos anos 80, terá sido certamente ao seu maior achado.
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A televisão ficará sempre na história que todos contarão de Nicolau Breyner. O teatro não, 'aquela caixinha é muito pequena, muito fechada', dizia, como lembrou ontem a actriz Guida Maria, para quem Nicolau Breyner 'era desconcertante no seu humor; às vezes era preciso dizer-lhe para parar com as anedotas, porque antes de entrar em cena temos de nos concentrar; ele não, acabava de dizer uma graçola, entrava no palco e era um tipo completamente diferente e embrenhado no papel'.
'Tinha amigos de todos os géneros, sempre com grande calor humano; era impossível ficar-lhe indiferente', sustentou Virgílio Castelo. 'Era um menino de 75 anos', afirmou. Foi por ele que ontem, menos de uma hora depois da notícia da sua morte, Marcelo Rebelo de Sousa abandonou uma reunião para expressar a sua consternação, saudade e recordações ao país que recentemente o elegeu. 'Nunca tinha visto um Presidente da República fazer isto pela gente que pinta a cara', afirmou Simone de Oliveira.
Actor, cantor - chegou a concorrer ao Festival da Canção, em 1968, tendo arrancado o quarto lugar com 'Pouco Mais' -, produtor, realizador, professor – mantém uma escola de artes de palco, a NBA -, Nicolau Breyner fez de tudo um pouco.
Deixa saudades, ele que dizia que era 'o gajo menos saudosista do mundo'. Se não fosse católico praticante, seria 'adorador do sol', afirmou recentemente. Também por isso, gostava de ter morrido 'num daqueles dias chuvosos, frios, com vento, para não ter pena', dizia. Morreu num dia de sol. Ele não programava muito a sua vida, diz quem o conheceu.
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