Mau, mau! Revista alemã feia! Tsc, tsc, sinceramente. É que é falta de chá desta Der Spiegel! Quer dizer, estávamos todos tranquilamente a discutir assuntos inexistentes, como a sucessão na liderança do partido que toda a gente garante que vai governar até ao regresso do cometa Halley, e você interrompe-me o finzinho da tão merecida silly season com questões verdadeiramente angustiantes? Por amor de Deus, não tínhamos já enterrado o tema das condições de vida dos migrantes agrícolas há quatro meses? Os artigos sobre aquela área do país não tinham já deixado de ter títulos como “Nepaleses vivem com oito pessoas em quartos com vista para a ETAR, infiltrações e cortinas florais” para voltar a peças como “Os melhores sítios para estacionar a autocaravana na Costa Vicentina sem ser multado por um militar da GNR com hálito a licor de poejo”? Enfim, estes alemães não sabem estar quietos.
É verdade, a Der Spiegel fez outra vez das suas. Devem estar aziados por ver o Ronaldo a receber tanto carinho, portanto decidiram fazer uma reportagem sobre o negócio dos frutos vermelhos, que está na base da exploração de migrantes e que pressiona ambientalmente a região.
Aparentemente, os europeus não dispensam mirtilos no seu tabuleiro de pequeno-almoço. Nós, com naturalidade e subserviência, desejamos levá-lo à cama. Se com isso esgotamos os recursos aquíferos do Alentejo e damos condições para a prática de tráfico humano? Não faz mal, temos de ser a mercearia dos cafés de brunch de Berlim. Salazar queria transformar o Alentejo no celeiro de Portugal, mas o Alentejo tornou-se no Celeiro, a cadeia de lojas de produtos para pessoas que se querem sentir saudáveis, da Europa.
Já sabemos que, em Portugal, os circos mediáticos não assentam arraiais durante muito tempo. Mas talvez desse jeito que o prazo de validade das polémicas que envolvem direitos humanos fosse um bocadinho maior do que o dos mirtilos de estufa. Não nos esqueçamos de que o problema das condições de vida dos migrantes agrícolas no Alentejo saltou para o início do alinhamento dos noticiários por causa da polémica do Zmar.
Inicialmente, uma suposta inconveniência para os proprietários de bungalows era a notícia, a emergência humanitária era o rodapé. Com o desaparecimento da inconveniência, foi-se a cobertura. Por que razão? De certo não terá nada a ver com a classe social e a raça das comunidades no centro de cada questão. Nada. Cor da pele? Não. Isto são só frutos vermelhos. Como nos conta Kendrick Lamar, the blacker the berry, the sweeter the juice [quanto mais negra a baga, mais doce o sumo].
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