De um lado grita-se Black Lives Matter, do outro All Lives Matter. Um protesto e um contra-protesto. O primeiro, bem-intencionado, mas muitas vezes instrumentalizado para fins políticos e para jovens de cabelo pintado de azul partirem montras e sentirem que a sua própria vida importa para alguma coisa. O segundo, bem, o segundo é só palerma, primeiro porque é óbvio e, depois, porque qualquer protesto contra um protesto de igualdade é palermice. No entanto, decidi cunhar outro movimento que me parece mais honesto do que os dois anteriores: o Not All Lives Matter: nem todas as vidas importam.
A verdade é que há gente a mais ou já se esqueceram a paz que era andar na rua durante a fase de confinamento? A pandemia não está a cumprir o prometido e talvez precisemos de um asteróide. Depois, há pessoas que estão cá só a fazer número, são aquele colega da escola que só ia às aulas para dizer presente e não chumbar por faltas e depois era apenas um peso morto que fazia com que a turma não desse a matéria toda porque tinha de andar à velocidade do mais lento que, não sendo burro, estava-se a borrifar para o bem comum. A humanidade tem muita gordura e nem estou a falar da obesidade.
Claro que nem todas as vidas importam, sejam negras, brancas ou daquela cor meio transparente amarelada com manchas vermelhas dos turistas ingleses no Algarve. Alguém que leve à letra o mote de que para si todas as vidas importam, é alguém que dá em maluco. Um niilista dirá “Nenhuma vida importa” e terá razão no sentido cósmico da coisa, mas para cada um de nós haverá sempre vidas que importam: a nossa, a dos nossos familiares e amigos, e pouco mais. A vida dos jogadores do nosso clube de futebol ou da selecção em ano de europeu ou mundial. O resto, as vidas dos outros, pouco nos importa. Não lhes desejamos mal, mas não nos importamos com elas. Temos de nos alhear do sofrimento de outras vidas, quase como um mecanismo de sobrevivência para conseguirmos existir sem estarmos em constante depressão. Uma vida de uma criança na China a soldar o chip do nosso telemóvel? É uma vida que não interessa assim tanto. A vida de criança a morrer à fome em África enquanto vamos ao rodízio? É uma vida que não interessa assim tanto. As vidas de uma família a morrer num campo de refugiados depois de ter estado no mar à deriva enquanto nos queixamos que cancelaram o nosso voo para S. Tomé este verão? São vidas que não importam grande coisa.
Não é que não importem, é que importam um bocado menos. Importam menos do que os nossos luxos e os nossos prazeres, digamos assim. Por isso, deixemos todos de ser hipócritas e gritar All Lives Matter porque é óbvio que nem todas as vidas importam para nós. Por exemplo, uma série de vidas que não importam para mim:
Vidas que mastigam de boca aberta? Não importam.
Vidas que não fazem pisca na rotunda? Não importam.
Vidas que partilham indirectas nas redes sociais? Não importam.
Vidas que nos transportes públicos ouvem música sem auscultadores? Não importam.
Isto é apenas uma pequena prova de que nem todas as vidas importam. Por isso, se All Lives Matter é um contra-protesto ao Black Lives Matter, então eu sugiro o contra-contra-protesto Not All Lives Matter. É um movimento que não muda nada, mas que é honesto e óptimo para preguiçosos como eu. #NemTodasAsVidasImportam.
Para ver: O filme Tarde para la ira
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