Ao longo dos últimos 30 anos, Cavaco foi uma figura tutelar e permanente na cena política nacional - e resistiu a todas as criticas, todos os ataques, todos os cercos, com um talento que, confesso, não sei onde aprendeu, nem compreendo como soube manejar (o que me obriga a, no mínimo, respeitar a figura…). Se nos dermos ao trabalho de compilar tudo o que sobre ele se disse e escreveu, todas as criticas, julgamentos, processos de intenção, estados de espirito, encontramos a mais rica colecção de insultos, acusações, condenações e arrasos de que há memória sobre uma só pessoa. Não sei se Salazar lhe ganha…

Porém, este mesmo Cavaco Silva conquistou - depois de “ganhar” o PSD em Congresso, na sequência de uma rodagem de um automóvel… - duas maiorias consecutivas em eleições legislativas, e foi Primeiro-Ministro entre 1985 e 1995. Depois disso, foi eleito Presidente da Republica duas vezes seguidas, em 2006 e 2011. Na prática, pragmaticamente, é isto: um dos mais odiados políticos do regime democrático foi, ao mesmo tempo, um dos dois homem que os portugueses mais vezes elegeram para conduzir os destinos da nação.

Como se explica esta contradição? Como se explica que haja contagens decrescentes para a sua saída de cena, depois de tantas eleições, votos contados, vitórias indiscutíveis?

Não imagino como será visto Cavaco Silva daqui a 200 anos, quando os historiadores o avaliarem - mas tenho a certeza de que ele representa, na essência e na acção, o português típico, no que tem de mais ancestral e enraizado, na pequenez do olhar sobre o Mundo como na ideia obediente do que “é necessário fazer”. O pai de quem nunca nos livramos - queremos livrar, mas no fundo fazemos tudo para manter. A maioria dos votos que Cavaco obteve demonstra esse desejo de estabilidade quase paternal, de alguém que aguente mesmo o que ninguém quer aguentar, de alguém que esteja lá para dar o raspanete figurativo. Não muda, mas alivia. Não faz, mas ameaça. Não desrespeita a lei, mas lembra que existe. Talvez se explique desta forma - ou talvez não. O mistério vai persistir para lá dele próprio.

Para a maioria, é um alívio deixar de ter Cavaco Silva na vida política nacional. Mas receio que essa mesma maioria não deixe de procurar, no futuro, um outro Cavaco que lhe traga o sossego de que precisa para continuar a ser como é. Ou seja, igual.

Coisas que me deixaram a pensar esta semana

Quatro dias depois da entrega dos Óscares, um olhar impiedoso sobre a cerimónia, das mãos de uma das minhas bloggers favoritas, Eugénia Vasconcelos: “Proponho que nomeiem para um Óscar, já no próximo ano, um rapaz negro, transgénero, vegan, anão, adoptado por um casal lésbico asiático, sobrevivente de, sei lá, qualquer coisa que a Lady Gaga possa indignadamente gritar, perdão, interpretar, ao piano”. Leiam o resto…

Adoramos adivinhar o futuro. Adoramos previsões e profecias. Eis um olhar sobre o futuro, menos imaginativo e mais realista, melhor pensado…

Está na moda a expressão “nómada digital” - gente igual a toda a gente, cuja característica particular é, pela natureza do seu trabalho, seja a escrita ou a computação, a publicidade ou o design, poder não ter poiso fixo e fazer da sua vida uma viagem permanente, de computador às costas, e com uma ligação à internet. Mas isto é simplificar demais o que pode ter outra filosofia de vida. Sugiro, por isso, uma passagem por este site, assinado por uma francesa, mas onde colaboraram pessoas de muitos países (portugueses incluídos), que constitui uma porta de entrada para um livro, um blog, um roteiro, um guia. Um excelente trabalho, que de uma vez por todas nos põe por dentro desta nova forma de viver e trabalhar.