O líder das preferências é Lula, com uma robustez de apoios (à volta de 30 a 33%) que ultrapassa as intenções de voto nos dois candidatos que aparecem nas posições seguintes, Jair Bolsonaro (17%) e Marina Silva (10%). Lula foi neste fim de semana confirmado como candidato presidencial do PT, mas toda a gente sabe que o ainda muito popular ex-presidente está na cadeia, há já quatro meses e não parece que esteja para ser libertado nos tempos mais próximos: Lula é um político condenado já em segunda instância, por corrupção passiva, a mais de 12 anos de cadeia e, conforme a lei da Ficha Limpa, está impossibilitado de disputar as eleições. Pode ainda aparecer alguma escapatória, mas é altamente improvável. Os juristas entendem que há “uma inelegibilidade chapada”. Mas Lula, a partir da prisão continua a prometer que vai fazer o Brasil renascer.
Sem Lula na eleição, há uma anomalia democrática, Jair Bolsonaro, o candidato que não é da democracia mas se serve da democracia, quem salta para a frente das intenções de votos na primeira volta. Bolsonaro é um ultra com língua solta: este ex-militar e defensor dos generais do regime da ditadura que sufocou o Brasil durante 21 anos, defende a tortura de delinquentes e as execuções extrajudiciais ao estilo de esquadrões da morte por parte da polícia. É um feroz fustigador das liberdades civis, mete toxicodependência, homossexuais, mulheres e negros, tudo no mesmo saco da intolerância dele. Bolsonaro é o “boca suja”, são célebres os desaforos estridentes, tais como “polícia que não mata não é polícia”, “o erro da ditadura foi torturar em vez de matar” ou “as mulheres devem ganhar menos porque engravidam”.
Bolsonaro é um absurdo democrático comparável com Duterte, Ortega ou Maduro. Está a ser-lhe prognosticada a possibilidade de sair na frente da primeira volta da eleição, em 7 de outubro. Se assim acontecer, é o resultado da ausência de Lula e da multiplicação de candidaturas frágeis. Não se vê, porém, que na segunda volta possa crescer e chegar à presidência. O candidato finalista adversário de Bolsonaro deverá receber uma vaga de votos anti-Bolsonaro para barrar o candidato ultra. Mas em eleições para deputado ele já foi o candidato mais votado no Rio de Janeiro. Quando os EUA já elegeram Trump para presidente, ninguém pode excluir que o Brasil arrisque Bolsonaro. O discurso securitário é uma arma que Bolsonaro usa com eficácia.
No terceiro lugar das sondagens brasileiras aparece Marina Silva. Esta ecologista veterana nos combates presidenciais recebeu 22 milhões de votos nas eleições de há quatro anos, ganhas por Dilma. Marina tende a repetir ou ampliar esse caudal de votos. A defesa por Marina de um outro modo de governar, com a promessa de liderança sem venda de cargos a interesses e outras corrupções, e com prioridade à defesa da natureza, faz de Marina uma candidata forte, capaz de juntar votos de vários campos. É improvável que baste para a eleger Presidente, mas os inflamados discursos bíblicos de Marina alimentam a fé desta candidatura.
O estranho panorama presidencial brasileiro poderia sugerir uma boa oportunidade para o chamado “Centrão”. Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, por mais que agrade a empresários e investidores, não está a mostrar-se com energia para garantir o fundamental para ganhar uma eleição: intenção de voto robusta. O mesmo se aplica a Ciro Gomes, posicionado um pouco mais sobre a esquerda do centro.
Esta eleição presidencial brasileira, a dois meses do voto, remete-nos assim para um teatro de absurdos. Fernando Henrique Cardoso (FHC), 87 anos, ex-presidente, agora retirado da política mas sempre respeitado e indiscutida referência, assume a inquietação quando assume “não sabemos para onde vamos, a população não confia em ninguém, está distanciada, a fragmentação do sistema de partidos é inédita”. FHC não exclui que apareça um aventureiro, um “free rider”, capaz de ganhar.
Uma questão essencial passa, neste momento, pelo que vai acontecer aos votos dos que continuam fiéis a Lula. Serão 30 milhões? Serão 40 milhões? Vão para quem? Será que Lula ainda pode conseguir o milagre de aparecer como candidato? Não se acredita. Será que o pêtismo vai conseguir fazer funcionar a transferência do voto em Lula para um candidato como Fernando Haddad, gestor do programa de governo do PT depois de ter mostrado credenciais como perfeito de São Paulo, a maior cidade da América do Sul?
Os anos de FHC e, sobretudo, os de Lula, foram os melhores do Brasil. Mas o lulismo e o pêtismo corromperam a confiança criada. Lula ainda beneficia de muitos créditos (aconchegados por muitas dúvidas e perplexidades sobre o modo como o Direito é aplicado no caso Lula), a par de imensa hostilidade. Lula tende a ser um efeito decisivo na escolha do próximo presidente.
Há quem discuta o modo como o jornalismo brasileiro está a cobrir a campanha de Bolsonaro, explorando as peculiaridades da personalidade mas sem ir ao fundo da ideologia. Há quem veja erros que resultam em propaganda, tal como aconteceu nos EUA na campanha que levou à eleição de Trump. Há quem veja a contenção do jornalismo brasileiro no tratamento do assassinato da deputada carioca Marielle Franco, que tanta consternação causou na alma popular, como um inquietante indicador sobre a crise neste Brasil de absurdos.
O mundo de agora tem chefes como Trump e Putin, Erdogan e Netanyahu, Duterte e Maduro, para além de muitas outras criaturas pouco recomendáveis, como, dentro da Europa, acontece na Hungria, na Polónia ou em Itália,
Tudo pode acontecer na eleição de outubro no Brasil. Até pode acontecer os votos brancos e nulos serem tantos que dariam um presidente nulo.
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