O povo venezuelano, na sua maioria, não está de acordo com a criação da Assembleia Nacional Constituinte. Considera tratar-se de mais um ato inconstitucional que, entre outras coisas, fere o próprio chavismo - uma vez que a atual constituição venezuelana foi composta pelos ideais do ex-presidente Hugo Chaves e validada em 1999 pela população em referendo.
O presidente Nicolás Maduro tem perdido apoio de importantes figuras nacionais, partidárias do próprio chavismo. A fiscal-geral do Ministério Público, Luisa Ortega Díaz - cargo que exerce por designação da Assembleia Nacional - é uma das maiores defensoras do chavismo na Venezuela, mas está contra a iniciativa do atual presidente venezuelano. Para ela, a convocação da Assembleia Nacional Constituinte é um retrocesso para a democracia. Entre outras coisas, contesta que se forme a assembleia sem que o povo seja consultado para isso. E recorda que em 1999, Chaves teve o apoio popular para suas propostas, enquanto hoje, Maduro relega a participação popular a sua mínima expressão.
Luisa Ortega entrou com um pedido no Tribunal Supremo de Justiça a solicitar uma consulta à luz dos Direitos Humanos, e em defesa da democracia, relativamente à necessidade de se fazer um referendo para aprovar a formação da Assembleia Constituinte. Face a essa pressão, o presidente Nicolás Maduro declarou num discurso recente que fará a reforma, depois apresentará à população em referendo, para a a sua aprovação ou não. Uma inversão na ordem dos fatores que altera o produto final e confirma o que Luisa Ortega vem dizendo sobre a participação popular.
Sabe-se que algumas das reformas propostas seriam mecanismos de recrudescimento do regime com o firme propósito de isolar os atuais líderes da oposição, figuras de grande popularidade que têm os seus nomes em destaque quando o tema é eleição ou liderar as necessárias mudanças na condução da política venezuelana. A oposição nas ruas em diversas manifestações tem irritado Maduro e os seus aliados, deixando o clima mais tenso a cada dia. Em clima de tensão, o abuso de autoridade alarga-se. Uma amostra é a recorrente violação dos Direitos Humanos que está a ocorrer na Venezuela: em 63 dias de protestos, 63 mortes entre os manifestantes. Isto não é nada bom. Ao contrário, é assustador.
Diosdado Cabello, político linha dura, um dos principais líderes do chavismo, ex-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e vice-presidente do partido do governo está a bater de frente com Luisa Ortega. Propõe que na nova Constituição conste como “inelegíveis para o resto da vida” aqueles que atentaram contra a constituição. Citou os líderes da oposição que estiveram à frente de manifestações nos últimos dias. Incluiu, ainda, funcionários do Ministério Público, citando Luisa Ortega a alegar que o “órgão seja obrigado a servir o povo” e disse que “a Constituinte decidirá se existe ou não uma fiscal”. Diosdado afirma que Ortega apoia a impunidade e que cedeu aos apelos da oposição, com quem estaria alinhada. Entre outras coisas, Luisa Ortega sugere antecipação de eleições diretas municipais, face à preocupação da população pela sobrevivência da democracia. Sugestão que deixa transtornados os líderes do governo.
A Venezuela de hoje está falida, com as prateleiras vazias e escassez de alimentos básicos. Maduro finge que não, o povo sabe que sim.
E por falar em população, é aí que o problema explode. E explode nas mesas de cada casa. Reflete-se na saúde dos miúdos, na falta de acesso aos medicamentos para os doentes e serviços básicos de saúde para os idosos. Afeta a autoestima e a esperança no futuro. Até 2005, e graças ao petróleo, a Venezuela possuía o PIB per capita mais elevado da América latina. Hugo Chaves assumiu um governo que cambaleava, mas seguia adiante. Aos poucos introduziu políticas sociais onerosas que fizeram, de facto, com que se reduzissem os índices de pobreza no país, mas geriu de maneira desastrosa a economia e ignorou a falta de tecnologia da sua empresa estatal de petróleo. Mesmo possuindo uma reserva gigantesca, a Venezuela não tem meios técnicos para explorá-la. Além disso, possui uma dívida externa impagável. A Venezuela de hoje está falida, com as prateleiras vazias e escassez de alimentos básicos. Maduro finge que não, o povo sabe que sim.
A insatisfação não está restrita aos círculos de classe média e classe média-alta. Em regiões populares há um grande desânimo sobre a falta de alimentos nos mercados. Além disso, a alta da inflação é gritante: o salário mínimo vale 60 mil bolívares, enquanto 1kg de carne custa 15 mil. O que torna impossível o acesso da população mais pobre a géneros alimentícios importantes. Não é difícil visualizar esse problema na magreza de crianças e adultos de regiões populares, sobretudo fora da capital Caracas, onde o problema é mais agudo.
Os jovens que estão a sair das universidades não encontram alternativa senão sair do país em busca de lugares estáveis onde possam desenvolver as suas carreiras. E isso também está a acontecer com profissionais importantes em empresas venezuelanas que preferem investir os seus talentos em países mais seguros do que a Venezuela dos dias de hoje.
A Assembleia Nacional, eleita democraticamente pode ser simplesmente extinta e substituída pela Assembleia Constituinte programada para perpetuar no poder o grupo que lá está. Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu declarou que o processo é uma fraude, classificando-o como um “golpe de Estado”.
Os países vizinhos não apoiam Maduro, exceto a Bolívia e Cuba. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores - aquele que elegeu Lula e Dilma, e está mergulhado até o pescoço no desvio de dinheiro público como vem mostrando a operação Lava Jato - já declarou o seu apoio ao regime de Maduro. Numa recente manifestação ocorrida em Caracas em apoio do presidente venezuelano, entidades de esquerda do Brasil enviaram militantes para fazer volume na manifestação e fazer parecer que o povo apoia seu governo. Literalmente para Maduro sair bem na foto. Enquanto brasileiros faziam pose com Maduro, venezuelanos atravessavam a fronteira rumo ao Brasil e se abrigavam, em condições precárias, numa estrada da cidade de Manaus, a dormir sobre caixas de papelão. Quando perguntado o motivo de terem saído da Venezuela eles responderam: “Fugimos da fome”. Conforme a lei de Murphy, se há um espaço para piorar, a coisa, lamentavelmente, vai piorar.
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