O Simão, o meu filho mais velho, terminou o primeiro ano da escola em Junho. Ou seja, andou a aprender a ler durante o último ano.

Os primeiros passos custam. Aprende as letras uma a uma, compõe as sílabas com a boca, lá vai entendendo as primeiras palavras arrancadas ao papel. Aprender a ler demora uns bons meses — ou melhor, umas boas décadas.

Às vezes, enervava-se com o difícil que era, noutros dias encolhia os ombros, havia ainda alturas em que chegava contente por saber mais uma letra.

No final de uma tarde de Maio, fomos buscá-lo à escola e ele vem de lá a correr, como todos os dias. Já no carro, perguntei-lhe o que aprendeu de novo naquele dia. Com o ar mais natural do mundo, responde: «Ah, hoje aprendi a ler!» Rimo-nos. O Simão encolheu os ombros: qual era a graça?

Em casa, quando tentou demonstrar a nova façanha, não vimos nada de diferente dos dias anteriores. Mas o entusiasmo, esse era bem maior. Não sei se foi nesse dia que se deu o clique e percebeu o truque, se simplesmente leu um texto especialmente bem ou se a professora lhe disse alguma coisa... O certo é que, na cabeça dele, aprendeu a ler naquele dia.

Alguns dias depois, passámos por uma livraria. Entrámos e ele quis mostrar como já sabia ler. Pegou num livro infantil e, dedo a passar nas palavras, devagar, hesitante, foi lendo sem parar. Para quem o via de fora, aquilo era um jogo de reproduzir sons — não parecia estar realmente a ler a história.

Até podia ser — mas o certo é que, pai como sou, estava ali orgulhosíssimo por ver o meu filho a fazer aquilo que quase todas as crianças aprendem a fazer. O meu filho a ler! Uma delícia!

De repente, hesitou um pouco mais — o lábio tremeu-lhe e desceram umas lágrimas pela cara, o dedo parado numa palavra. Fiquei de boca aberta: «O que se passa?» Olhei rapidamente para a história. Quem não estava a ouvir com atenção era eu... A personagem principal, um urso, tinha de se afastar de todos os amigos. Uma tristeza! Disse-lhe que de certeza que tudo ficaria bem no fim... Ele limpou as lágrimas e continuou, feliz e contente por ter chegado ao fim do primeiro livro que leu sozinho.

Tive de morder o lábio com força para não ir comprar o livro com lágrimas nos olhos — e não era por causa do urso.

O Simão já tinha chorado com histórias contadas e com filmes que vira. Há histórias que lhe metem medo, outras fazem-no tremer o lábio, há ainda as que o põem a rir com vontade — e também há as que ele ouve com ar de enfado. Há ainda histórias que ele não compreende bem, mas de que gosta sem saber porquê. Mas, naquele dia, na livraria, foi a primeira vez que chorou com uma história que ele próprio recriava na cabeça, lendo-a num livro. Olhamos para umas marcas no papel e, de repente, temos o coração a bater mais depressa, a imaginação a correr, os lábios a rir.

Podia agora aproveitar para falar da importância da leitura e das histórias — a leitura faz-nos viver mais, faz-nos pensar no que nunca pensámos, mexe-nos na imaginação e no corpo. É tudo verdade, mas não me importa. Queria só contar a história do dia em que o meu filho aprendeu a ler.

Marco Neves | Escreve sobre línguas e outras viagens no blogue Certas Palavras. Contou histórias de Portugal em A Baleia que Engoliu Um Espanhol.

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