Hoje é o Dia Internacional da Mulher e algumas pessoas irão comprar-nos flores. A esses digo: dêem-nos outras coisas, por favor. Oportunidades iguais, progressão de carreira, lugar de fala, paridade em todos os sectores da nossa existência, a certeza da nossa segurança e integridade física e mental. Dêem-nos a possibilidade de viver em paz, sem o fantasma da violência psicológica ou sexual.

Não desvalorizem as mulheres nem façam pouco da necessidade – urgente – de mantermos uma defesa pela causa das mulheres. Não gostam da palavra Feminismo? É tão importante quanto a palavra Justiça. Porque a vida das mulheres, no mundo em geral, em Portugal em particular, é tudo menos fácil ou justa.

A paridade salarial está prevista para daqui a 132 anos. No tempo das minhas bisnetas. Os lugares de topo nas instituições, privadas ou públicas, são ocupados minoritariamente por mulheres. Variadíssimos estudos, sobre a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, provam que as mulheres trabalham mais horas e são prejudicadas, profissionalmente, por terem de assegurar tarefas domésticas, relacionadas com os filhos ou com pessoas que têm ao seu cuidado (a maioria dos cuidadores informais são mulheres). As mulheres portuguesas gastam o triplo do tempo em trabalho não renumerado, uma das taxas mais altas da Europa. Um estudo indica que 77,8% se “sentem” responsáveis por lavar a roupa e assegurar outras tarefas. Onde estão os homens e a sua capacidade de dividir tarefas, de se responsabilizarem pelo trabalho doméstico e familiar? Pois.

As mulheres portuguesas recebem, em média, menos 20% de ordenado do que um homem. Em números, isto significa que levam menos 2o0 euros para casa. Isto porque, em 2020, no caso de grandes grupos profissionais, a remuneração média mensal de base dos homens foi de 1104,49 € e a das mulheres foi de 957,50 €; e a remuneração média mensal dos homens foi de 1344,54€, enquanto a das mulheres se ficou por 1128,35 €. Nos quadros superiores, a diferença é de 700 euros. Não deixa de ser curioso que as mulheres constituam a maioria dos licenciados no nosso país, que tenham melhor rendimento escolar e que, apesar disso, os quadros superiores não as prefiram. Por ser mulher ganha-se menos? Sim.

Em 2021, o registo de denúncias de violência doméstica, da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, foi superior a 26 mil. 75% das vítimas são do sexo feminino. A cada vinte minutos, em Portugal, é feita uma denúncia. Quantas existem por fazer? Deixo-vos a pergunta e podem extrapolar.

E é por isso, e por tantas outras coisas, que o feminismo continua a precisar de ser uma causa e não apenas das mulheres. Querer a paridade – os mesmos direitos e oportunidades independentemente do género – é uma causa pertinente e necessária, cujo objectivo é o de promover uma vida melhor. Para muitos, uma vida melhor para as mulheres significa uma perda de poder para os homens. Há uma cultura de domínio e de preponderância, uma cultura de poder associada ao patriarcado. O que será que os homens temem quando as mulheres têm poder? Será a sua independência?

Em 1926, Virginia Woolf escreveu um conjunto de conferências a serem proferidas numa universidade exclusivamente feminina. Mais tarde, as mesmas foram compiladas num livro intitulado "Um quarto só para si". Nesse volume, a escritora reivindicava a necessidade de um espaço físico que fosse só seu – se quiserem, o clássico escritório atribuído aos homens com a mesma facilidade com que se atribuía, e ainda atribui, a cozinha às mulheres – e um rendimento financeiro que permitisse às mulheres ter a sua independência. Passaram-se quase cem anos desde que Virginia Woolf escreveu sobre esta necessidade. A maioria das mulheres, em Portugal e no mundo, não tem um quarto só para si, não tem a sua independência financeira, não tem tempo para si, nem vive em segurança, porque a violência doméstica é um monstro que a sociedade se recusa a eliminar. Posto isto, perguntem-se: faz sentido ser feminista? Infelizmente, faz todo o sentido. Por essa razão, o feminismo fica-vos bem, acreditem.

Pratiquem-no pelas gerações atuais e as futuras.