Isabel II, rainha do Reino Unido e de 15 outros estados independentes, e chefe da Commonwealth, formada por 53 nações que somam 2,2 mil milhões de pessoas, está a nove dias dos 95 anos de idade e estão ativados os preparativos para, no começo do ano que vem, as majestosas comemorações de 70 anos de reinado.

O luto pela morte do marido, príncipe Filipe, companheiro dedicado e permanente nos últimos 73 anos, com gaffes mas sem escândalos, vai certamente levar a que no próximo dia 21 não haja festa nos 95 anos da rainha. Os estrategos do sistema mediático do palácio de Buckingham vão insistir, todavia, para que seja mantida a celebração dos 70 anos de reinado de uma monarquia, a mais antiga instituição britânica, que o agora falecido Filipe foi determinante para impor como “a família” mais famosa no mundo. A “firma” Windsor precisa de grandes eventos.

Isabel II e Filipe, designado Duque de Edimburgo, atravessaram tempos de guerra e de paz, partilharam glórias, mas também erros, tragédias, perdas e até humilhações. O destino da família teve épocas amargas, até “horribilis”. Como pais e avós nem sempre terão sido exemplares. A rainha deu posse a 15 chefes do governo britânico desde a chegada ao trono em 1952.

Nos anos 50 do século passado, no renascimento democrático da Europa depois da Grande Guerra, muitas casas reais europeias, quase uma dezena no continente, confrontaram-se com incertezas sobre o seu futuro. O princípio hereditário não lhes dava o direito a que continuassem a governar. Houve quem optasse pela retirada para posição discreta, quase fora da vida pública, e houve quem se colocasse no lugar da máxima representação simbólica do Estado. Foi esta a escolha de Isabel II.

A rainha de Inglaterra soube ao longo destas quase sete décadas construir uma peculiar posição de poder através da influência, determinante para o equilíbrio e a coesão possível no reino. Isabel II tem o engenho de ter sabido tornar quase natural a pompa que a rodeia e, com aqueles vestidos coloridos (parece ter preferência pelos amarelos), fez-se ser quase sempre respeitada e amada por sucessivas gerações de britânicos.

Ela fez os súbditos enamorarem-se da monarquia. Mas levanta-se um tempo de incertezas.

Os comentadores entranhados nos bastidores da casa real britânica, os “royal watchers”, garantem que a morte de Filipe não vai levar a rainha a abdicar. É provável que queira dar mais palco aos sucessores, o filho Carlos e o neto Guilherme, mas a rainha vai continuar até ao fim. A lei da vida, ponderada a avançada idade da rainha, que não será eterna, faz desta semana de funeral de Filipe uma espécie de ensaio geral para uma muito marcante despedida previsível num horizonte que já não será de muitos anos.

Quando chegar o dia de esta rainha sair do mundo dos vivos o povo britânico vai certamente viver grande mágoa e sentir enorme tristeza. Esta rainha faz parte de toda a vida da maioria dos britânicos. Os principais acontecimentos da monarquia nestes quase 70 anos de reinado de Isabel II são referência na vida de grande parte dos cidadãos britânicos.

A monarquia soube, in extremis, fazer o golpe de rins necessário para sobreviver e recuperar a estima dos súbditos após a trágica morte de Diana. Soube lidar com as infidelidades, desvios e insubmissões na família. Porque o respeito pela rainha Isabel II se sobrepõe a quase tudo.

Como vai ser quando chegar o tempo do pós-Isabel II? Parece inevitável que seja assumido o fim da era isabelina em que a casa real se impôs como máxima representação da identidade britânica.

A seguir à rainha Isabel II, Carlos, príncipe de Gales, vai naturalmente ser coroado rei. É de imaginar que vá tentar marcar o reinado com grande dedicação às causas ambientais, ao multiculturalismo, à arquitetura, às artes em geral. O desafio que lhe vai calhar é tremendo. As sondagens mostram que a cidadania britânica prefere Guilherme, o filho dele e de Diana.

As intrigas, os contos de fadas e também os fantasmas que povoam a casa real britânica são histórias muitas vezes de folhetim cor-de-rosa. Mas há questões de fundo, de facto relevantes.

Depois da rainha Isabel II, a casa real vai continuar a ser a coluna vertebral identitária da sociedade britânica? O reino, onde há povos com vontade de separação, vai confrontar-se com um quadro propício para a desunião, com a possibilidade de divórcio da Escócia (que deve aproveitar as eleições daqui a um mês para reafirmar o desejo de independência). O reino vai continuar unido? A “Commonwealth” vai manter a atitude de vénia perante sua alteza real, ou vai notar-se o declínio da comunidade do antigo império onde há sempre um lugar com sol? Todas estas questões também remetem para a coesão, interna e externa, que Isabel II soube gerir.

É de pressagiar um desafio extraordinário para esses tempos vindouros. Será natural que a família da monarquia britânica passe à relativa normalidade discreta das casas reais de Espanha, dos Países Baixos, da Dinamarca, da Noruega ou da Suécia. Por agora, o Reino Unido cerra fileiras, com carinho, em torno da sua rainha Isabel II.

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