Começou na segunda-feira uma reunião de quatro dias do Comité Central do Partido Comunista Chinês, denominada “sexto plenário”, com a presença de 370 membros; líderes nacionais e regionais, ministros, generais e executivos dos conglomerados estatais. Há sete plenários em cada mandato de cinco anos do Comité. Este foi eleito em 2017 e terminará para o ano, com a realização do Congresso Nacional, que escolherá o Comité seguinte. Foi também em 2017 que a filosofia de Xi foi incluída na Constituição.
Nesta reunião, o Secretário-Geral do Partido e Presidente da China foi o terceiro líder desde 1949 a apresentar uma “resolução histórica”, baseada na “experiência e conquistas” do partido centenário (fundado em 1921).
O colossal Império do Meio, que agora se chama República Popular da China, conheceu dois grandes pensadores: Mao Tsétung, que definiu o comunismo a partir de um “desvio” do marxismo-leninismo original, e Deng Xiaoping, que o redefiniu como uma pragmática ditadura do partido apoiada na economia capitalista. O “comunismo à chinesa” provou ser uma combinação de grande sucesso na competição entre nações. Consolidada em casa, chegou a altura de a exportar, e tem sido essa a missão de Xi Jinping.
Xi tem mostrado grande eficiência em várias frentes. A Nova Rota da Seda. Os espectaculares Jogos Olímpicos de 2008. A estação espacial patriótica. A viagem a Marte. As novas armas nucleares. A expansão no Mar da China. A maior economia do mundo (em breve). Não há projecto megalómano que pare a China, que tem 50 cidades com mais de sete milhões de habitantes, a maioria das quais com poucas décadas de existência. Como comparação, na Europa só há uma acima dos cinco milhões, Londres, e nos Estados Unidos outra, Nova Iorque.
Das vinte maiores cidades do mundo, cinco são chinesas: Shanghai (30 milhões), Pequim (21 milhões), Chonquin (16), Tianjin (13) e Guangzhou (13).
Mas não é só a quantidade que interessa; o controle desses 1.402 milhões de habitantes inclui reconhecimento facial de cada um, mais um sistema de pontos ligado à cidadania. Atravessar a rua fora da faixa, menos um ponto, menos um dia de férias. Falar mal do governo ou do partido, tantos pontos a menos que a pessoa se volatiliza. (Segundo a Amnistia Internacional, o país executa milhares de pessoas por ano.) Se for de uma minoria, os uighur, por exemplo, os pontos são negativos e o campo de concentração inevitável. Se for tibetano, outro exemplo, não há pontos que lhe valham: depois da ocupação militar do Tibete, em 1950, oficialmente denominada de “Libertação Pacífica”, os autóctones têm diminuído e os chineses aumentado. Em 2018 contavam-se seis milhões de tibetanos e 7,5 milhões de chineses.
Por outro lado, Xi tem mostrado uma agressividade inédita na cena internacional. Os dignatários chineses – embaixadores, ministros e representantes nos organismos internacionais – reagem sempre com indignação e contundência a todas as críticas ou comentários menos favoráveis ao que se passa no país. Hong Kong, que tinha um estatuto especial desde que foi entregue pelos ingleses, em 1997, viu a sua democracia destruída, passando a integrar a ordem jurídica chinesa em três ou quatro decisões que indignaram (sem qualquer resultado) o Reino Unido em particular e o resto do mundo em geral.
Terminada a tomada de Hong Kong, agora a China vira-se para Taiwan, um espinho que existe desde que, em 1949, as forças “nacionalistas” de Chiang Kaishek, derrotadas pelos comunistas, se refugiaram na ilha a que chamamos Formosa. Aos poucos, Taiwan transformou-se numa democracia representativa do tipo ocidental e um potentado industrial; é um dos maiores produtores mundiais de semicondutores, inclusive exportando para a China. Mas os comunistas nunca reconheceram essa separação e inclusive obrigaram todos os países a não reconhecer a existência da República da China (nome oficial), que nem sequer tem representação nas Nações Unidas. Recentemente, Xi afirmou que a integração de Taiwan no continente não é uma questão de “se”, mas de “quando”, ao mesmo tempo que as acções provocatórias das forças armadas chinesas vão num crescendo, sobrevoando o espaço aéreo e enviando a sua frota para manobras dentro das 200 milhas de espaço marítimo da ilha.
Se a China ainda não atacou, é porque a situação internacional ainda não o permite; por ora não tem forças suficientemente fortes para enfrentar as dos Estados Unidos, Japão, Austrália e outros países que estão dispostos a defender Taiwan, além das forças taiwanesas, que lutariam até ao último habitante. Mas esse equilíbrio fica menos equilibrado a cada ano que passa e é evidente que Xi ainda espera fazer a anexação durante o seu reinado.
A reunião do Comité Central aconteceu à porta-fechada, e não se esperava mais do que uma declaração formal da filosofia de Xi no final. O relatório formal que foi publicado parece mais do mesmo, mas haverá muito que ler nas entrelinhas (pode ler aqui o comunicado final).
Destacam-se os seguintes pontos:
- Início de uma nova jornada para a construção de um país socialista moderno em todos os aspectos, no contexto do centenário do Partido;
- Melhorar e desenvolver o socialismo com características chinesas para a nova era;
- Reforçar a consciência sobre a necessidade de manter a integridade política e pensar a longo prazo, seguindo a liderança do núcleo duro e mantendo o alinhamento com o orgão central do Partido;
- Reforçar a confiança no percurso, teoria, sistema e cultura do socialismo com características chinesas;
- Elevar resolutamente a posição central do Camarada Xi no Comité Central e no Partido como um todo, e reforçar a autoridade do Comité Central e a sua liderança centralizada e unificada, para assegurar que todos os membros do Partido actuem unificadamente;
- Avançar com a auto-reforma do Partido, construindo a nossa força para lutar e reforçando a nossa capacidade de responder aos riscos e desafios, mantendo o nosso vigor e vitalidade;
- Unir e liderar o povo no esforço contínuo de realizar o Sonho Chinês de rejuvenescer a Nação.
Portanto, a questão não é “se”, mas “quando” o senhor do Reino do Meio será o senhor de todos os reinos. A longa marcha continua.
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