Os cidadãos saem da armadilha. O nacionalismo e o populismo, que dispararam arrogantes em 2016, não estão a funcionar em 2017. Viu-se nas eleições holandesas, nas francesas e, agora, nas britânicas. Trump e a turbulência do Brexit devem estar produzir efeito de desconfiança sobre os cidadãos eleitores que também estão a ver a repulsa que suscita o autoritarismo de Orbán na Hungria. Os cidadãos não estão para grandiosos isolacionismos ou políticas extremistas. A onda de populismo eurofóbico está em declínio e isso vai ser, certamente, confirmado nos próximos dois domingos de eleições parlamentares em França.

As eleições britânicas mostram que os grandes partidos do país estão fracos: ninguém conseguiu agora atrair eleitorado bastante para governar em maioria, conforme a tradição em Londres.

Os conservadores, depois de uma campanha impreparada e impopular, mesmo assim vão certamente governar nos tempos mais próximos, em entendimento parlamentar com os unionistas, DUP, da Irlanda do Norte, muito pelo Brexit. Mas a vida deste governo tende a ser atribulada e breve: Theresa May até achava que precisava de mais respaldo com mandato reforçado e o que recebeu foi confiança reduzida. Os estrategos do Partido Conservador parecem andar numa espiral de erros: há um ano, Cameron convocou o referendo Brexit pensando reforçar a sua liderança, afinal saiu obrigado à demissão; agora, com May, os conservadores voltaram a jogar e a perder – embora como maior partido. May mostrou-se sempre rígida, distante, pareceu sem uma ponta de humanismo. Quis aparecer estável, resultou instável. Boris Johnson já estará a aquecer os motores para a sucessão. Mas duvida-se muito que seja um líder melhor.

O socialista Corbyn, perdendo, pode sorrir, consegue uma vitória moral: partiu com 20 pontos percentuais de atraso, era ridicularizado na imprensa pela sua visão monolítica sobre a economia e titubeante sobre a segurança, mas reforçou a bancada trabalhista com mais 32 deputados. Soube evitar responder a insultos e provocações. Mostrou que é uma pessoa de bem, coerente, séria, um idealista que diz coisas de esquerda porque acredita na esquerda. Faltou-lhe uma visão audaz e clara sobre o futuro do Reino Unido. Provavelmente, não vai ser ele a conduzir os trabalhistas nas próximas eleições. Porque, de facto, apesar do consolo moral, perdeu as de agora.

A líder dos independentistas escoceses (SNP), Nicola Sturgeon, é uma surpreendente derrotada: tinha o peso histórico de 54 deputados, perde à volta de 20. Paga o preço de ambiguidades, por exemplo sobre o novo referendo independentista – que tende a sair da agenda próxima.

Os liberais-democratas, agora liderados por Tim Farron, depois da fatal coligação com Cameron que os engoliu, conseguiram agora prova de vida, cresceram 50%, passaram de oito para 12 deputados. São uma corrente pró-europeia.

O herdeiro de Nigel Farage no comando dos nacionalistas UKIP, Paul Nutall, fica com o vazio de um partido atirado para a extinção, alcançado o objetivo Brexit. Os quatro milhões de eleitores UKIP nas anteriores eleições procuraram outras escolhas.

Entre os derrotados, dois ex-líderes: Nick Clegg, ex-vice primeiro-ministro e ex-líder dos liberais, e Alez Salmond, ex-chefe do governo nacionalista da Escócia perderam a eleição nas suas cidades.

Uma novidade no novo parlamento: 207 mulheres. A presença feminina nunca antes tinha chegado a 200 eleitas.

Em suma: a mais antiga democracia no mundo parece está num quadro ingovernável com a primeira-ministra e o partido que apostaram numa posição de força a saírem debilitados pela amarga vitória insuficiente. Fica difícil antever como vai ser desenvolvido o Brexit, embora com duríssima batalha entre Londres e Bruxelas sobre questões delicadas. Seja como for, a Europa está a recuperar fôlego, está a ressurgir até a suscitar esperança de ser capaz de audácia para, com coesão no essencial e respeito pelas diferenças entre os parceiros, tomar as decisões necessárias para o futuro.