O protagonista do Natal é a criança – e o jovem adulto ressente-se da perda desse papel. É que o Natal pré-adolescente é um processo, um crescendo de ansiedade e recompensa. Dura muito mais tempo e cria mais memórias, com as férias, as compras, as receitas, a ajuda na cozinha, o verdadeiro entusiasmo por encher um pinheiro falso. Tem prendas requisitadas, escolhidas a dedo, suplicadas. Tem bar aberto de doces e tios a discutir. Tem bebedeiras de adultos que só começamos a decifrar aos 16 – porque, em criança, não temos a plena noção de que os grandes se encontram sobretudo para beber copos, ainda que na altura considerássemos erradamente que a nossa presença lhes traria comedimento.

Hoje, chego ao Natal e o Natal já aparece feito. O Natal é agora uma noite de excesso e um almoço de ressaca, em vez de duas semanas de intensa gestão de expectativas. E as prendas? O que é que se dá a um ente querido de 20 anos? Anacrónicos brinquedos? Condescendentes notas de vinte euros? Prematuras meias ou garrafas de whisky? Descabidos livros fora do seu espetro de gosto literário? Arriscada indumentária? Complicado. As pessoas de 20 e tal anos não se enquadram em nenhuma fase natalícia simples. Estão na idade da permanente insatisfação: não ficarão extasiados com um presente soberbo como se fossem crianças, nem se contentarão com uma mera lembrança para não mimetizar a amargura conformada de seus pais. Para além disso, já não falam à mesa, sem filtros, desde os 12, 13 anos. A família não consegue inferir os seus traços de personalidade de consumidor, o que dificulta conclusões sobre a pertinência dos presentes.

Só se prestam a manter um ar entediado durante a Consoada, enquanto atualizam as suas redes em relação às desventuras do primo afastado e suas tiradas racistas. Por muito que o que importe seja o convívio com a família, o jovem adulto secretamente lamenta que o Natal já não seja sobre si.

Ainda não fazemos parte dos crescidos, estamos em trânsito. Até que apareçam novas gerações para nos substituírem no frete, ficaremos por aqui a cumprir os serviços mínimos. Mas depois de almoço, arrancamos, arrancamos logo. Em direção à vida desenraizada, a partir da qual mandaremos mensagem, informando que chegámos bem.

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