Não sei se têm a noção de que acabaram de ver um facto inédito na política mundial: dois presidentes - mais um vice-presidente - a discordar, a discutir e, finalmente, a não chegar a uma conclusão definitiva.

Desde que começou a usar-se imagens fotográficas noticiosas, que nos habituamos a ver fotografias de encontros entre líderes, a conferências e debates; depois surgiram os filmes e, em 1956, a televisão em direto. Mas, desde as primeiras imagens, o que víamos eram as pessoas reunidas, sorridentes ou sisudas, a posar para a posteridade. Vigorava um acordo não escrito em que os presentes tinham de se apresentar cordiais ou, pelo menos, com a dignidade da ocasião. Na televisão discutia-se - precisamente, no primeiro debate presidencial nos E.U.A. - mas com civilidade, falsa que fosse.

O que realmente se discutia e se decidia, era à porta fechada, e os textos posteriores explicavam os resultados com um mínimo de elegância, mesmo que as conversações não tivessem corrido bem. Ou seja, uma coisa era o que acontecia, outra o que se mostrava.

Ainda na quarta e na quinta feira, nas conversas de Trump com Macron e Starmer, todos se apresentaram sorridentes e a dar palmadinhas nas costas, embora se soubesse que, antes ou depois, a troca de palavras não tivesse sido propriamente amigável. O “código” diplomático não mudava.

Ontem de manhã, caiu a cortina. Todos pudemos assistir a uma discussão desagradável, com troca de acusações e acrimónia, entre Trump, J.D. Vance e Zelensky. Vance, altivamente, chegou a acusar Zelensky de desrespeito pelos americanos no “templo sagrado” da Casa Branca, por não estar agradecido pela ajuda dos Estados Unidos. Zelensky atirou-lhe, na mouche, que ele não podia falar de uma realidade que nunca viu - Vance ainda não foi a Kiev. 

Trump, no meio de elogios a si próprio e ataques aos seus antecessores, Biden e Obama (aquele ego não descansa…) defendeu todos os argumentos de Putin e chamou ao ucraniano uma espécie de “chulo” da Europa e América. A troca de amabilidades subiu de tom até chegar à gritaria, todos a falar ao mesmo tempo. “Não está em posição de pedir nada; está é a arriscar uma terceira guerra mundial!” gritava Trump, acrescentando que se não fosse a ajuda americana a Ucrânia não teria durado duas semanas. “Ou três dias…” respondeu-lhe Zelensky, lembrando o objectivo inicial da Rússia.

As dezenas de jornalistas presentes não ajudaram à concórdia. Houve até um idiota que aproveitou os preciosos segundos que lhe foram dados para perguntar porque é que Zelensky não usa fato e gravata…

No meio desta conversa de tasca, Trump insistiu na sua vergonhosa proposta: a Ucrânia cede aos Estados Unidos os direitos de exploração das suas terras raras, a troco de… nada. Nos termos dele: “Primeiro assinamos o contrato das terras, depois entramos nas negociações de paz.” Zelensky, é claro, recusou. Não se pode chamar acordo a um negócio em que um lado recebe uma coisa e o outro coisa nenhuma. Aliás, uma das propostas norte-americanas é que Zelensky se demita, o que evidentemente seria uma vitória para a Federação Russa, além de que quem faz lutar os ucranianos não é ele, é a vontade de ser independentes.

Zelensky recusou a proposta de Trump, não só porque seria uma rendição incondicional, como também não se está a ver como é que os americanos ficariam na Ucrânia a minerar metais no meio de uma guerra - além de que uma parte das terras raras estão na área ocupada pela Rússia. Esta conversa de Trump dá a entender (opinião minha) que já fez um acordo com Putin, em que as grandes mineradoras americanas podem trabalhar à vontade num país ocupado pelas tropas russas, com um presidente pró-russo - provavelmente Viktor Yanukovtch.

Zelensky saiu porta-fora sem nada se decidir. Aliás, foi mandado embora, depois de uma reunião dos americanos noutra sala, enquanto esperava na Sala Oval. Mandado embora, sim.

Quem continuou a ver os canais norte-americanos foi brindado pela indignação dos senadores trumpistas pelo facto daquele pobretanas a pedir esmola ter conspurcado o território sagrado da Casa Branca. Lindsay Graham insistiu que o ofensivo Zelensky tem de se demitir. A sério, foi sobretudo do insulto do ucraniano que falaram. Sobre alternativas concretas para um acordo, nicles. Christiane Amampour, a jornalista estrela da CNN, disse que nunca tinha visto “uma coisa assim”, Trump perder as estribeiras e humilhar o presidente doutro pais: “Vocês não têm nada para dar!”

Conclusão: a Ucrânia está em péssimos lençóis e a Europa também. Mas isso já sabíamos, não é verdade?

Assim se passou a discussão na Sala Oval:

Zelensky: JD (Vance) de que diplomacia está a falar, a sua pergunta quer dizer o quê?

Vance: Estou a falar da diplomacia que vai acabar com a destruição do seu país.

Zelensky: Sim, mas se....

Vance: Sr. Presidente, com todo o respeito, acho que é falta de respeito da sua parte vir aqui à Sala Oval e discutir isto em frente à comunicação social americana. Neste preciso momento, vocês andam à nora e a obrigar mobilizados a ir para a linha da frente, porque têm falta de homens. Devia era agradecer ao Presidente (Trump).

Zelensky: Já foi à Ucrânia ver os nossos problemas?

Vance: Realmente vi na televisão e ouvi histórias, e o o Sr. Presidente faz é tour de propaganda. Discorda de que tem problemas para arranjar soldados e acha que é um gesto de respeito vir à Sala Oval dos Estados Unidos da América atacar o Presidente (Trump)?

Zelensky:Primeiro, numa guerra toda a gente tem problemas, até vocês. Apresentam soluções simpáticas e agora não têm consciência do que se passa, mas vão ter no futuro.  

Trump: Não sabe nada disso. Não nos venha dizer como nos vamos sentir no futuro. Estamos a tentar resolver um problema. Não nos diga como nos vamos sentir. 

Zelensky: Não lhe estou a dizer, estou a responder-lhe. 

Vance: É exatamente isso que está a fazer. 

Trump, a subir de tom: Não está em posição de decidir como nos iremos sentir. Vamos sentir-nos muito bem e muito fortes. 

Zelensky tenta falar.

Trump: Neste momento não estão numa posição muito boa. Meteu-se numa situação muito má. Deixou-se meter numa situação que não é boa. Neste momento não tem nada na mão. Connosco pode ter alguma coisa. Está a jogar com as vidas de milhões de pessoas, está a arriscar a terceira guerra mundial e está a faltar ao respeito a este país.

Vance: Já alguma vez nos agradeceu?

Zelensky: Muitas vezes.

Vance: Estou a falar agora, nesta reunião. Mostre a sua apreciação pelos Estados Unidos da América e pelo Presidente que está a salvar o seu país. 

Zelensky: Pois, acha que se falar aos gritos sobre a guerra...

Trump: Ele não está a falar aos gritos. O seu país está com um grande problema. Fala muito, nas o seu país é que está com um grande problema. 

Zelensky: Isso, eu sei.

Trump: E não está a ganhar. Tem uma muito boa hipótese de se sair bem, graças a nós. 

Zelensky: Não temo-nos mostrado fortes desde o princípio da guerra, estamos sozinhos e já agradecemos muitas vezes.

Trump interrompe Zelensky: Não têm estado sozinhos. Nós demos-lhes equipamentos mitilitares. Os seus homens são corajosos, mas é com o nosso equipamento. Se não o tivessem, a guerra tinha acabado em duas semanas.

Zelensky: O Putin disse que acabava em três dias. 

Trump: Vai ser muito difícil fazermos negócio assim. 

Vance: Vá lá, agradeça. 

Zelensky: Já agradeci muitas vezes.

Vance: Reconheça que há divergências e vamos discutir essas divergências em vez de discutir à frente doa meios de comunicação americanos, quando está errado. Sabemos que está errado. 

Trump: Vocês estão enterrados. As pessoas estão a morrer. Os seus soldados a acabar. E vem-nos dizer “Não quero um cessar fogo. Quero continuar e quero isto assim assim. 

Trump: Não está nada agradecido, e isso não é bonito. Honestamente, isso não é bonito.

Está bem, acho que já vimos o suficiente. O que acha? Grande espectáculo de televisão, é o que eu acho.