Vivemos um paradoxo. Para quem acha que estou a elaborar, é o paradoxo dos que estão a ver, fingindo que não vêem, que sabem, preferindo fazer que não sabem, sustentando esse paradoxo que nos faz pensar que precisamos de mais do que já temos.

O paradoxo do politicamente correcto e o do consumo. Juntos, são surpreendentemente poderosos e confusos. Aceitamos viver numa sociedade que privilegia o ter e o parecer. Precisamos de muitas coisas para manter um estilo de vida sobre o qual não pensamos e do qual não sabemos sair. Ainda ninguém inventou nada melhor do que o capitalismo mas o socialismo ou qualquer outro “ismo”, não se afiguram como solução, num contexto em que a crise não se explica culpando um sistema económico: política, ambiente, comunicação, tecnologia, religião e espiritualidade estão de tal forma ligados que é difícil perceber onde começa e termina a ideia de crise.

Somos criticados e julgados por aquilo que fazemos ou deixamos por fazer, numa lógica que nos pretende homogeneizar pensamentos, comportamentos e atitudes porque, diz a história, é mais fácil controlar uma massa silenciosa. Achamos que participamos e nos fazemos ouvir mas, essa participação é, muitas vezes, mais irrelevante do que a participação cívica que os media fomentaram. Novamente, é aquela participação quase inócua, num contexto de conteúdos patrocinados, propaganda e contra propaganda que prende uns para soltar outros. Por vezes, até despedimos os que colocam o dedo na ferida porque, ao contrário de antigamente, há mais pessoas que sabem ler e, isso, é perigoso para quem quer manter o paradoxo inquestionável.

Casamos pessoas em directo e de forma imediata porque enviar gladiadores para uma arena é grotesco. Mas só menos um bocadinho do que fazê-lo aos animais. O próximo passo é despir pessoas na TV para animar a malta. É isso que faz falta, numa altura em que cresce o endividamento e que uma nova crise imobiliária se pode definir no próximo contrato de promessa de compra e venda (CPCV) milionário que atira mais uma família de classe média alta para lá do que ficou conhecido como o subúrbio, sob o auspício de uma vida diferente, porque…  “queremos uma vida mais calma, fora dos grandes centros urbanos”.

É o equivalente ao “entre projectos” dos desempregados: uma forma eloquente de dizer que não tenho dinheiro para continuar a viver em Lisboa. Se acontece aos que têm algum poder de compra, imaginem o que faz aos que não têm a mesma capacidade financeira... paradoxo? Coincidência - ou não, porque estas não existem, ontem comecei a ler um livro (“21 lições para o século 21”) com o qual já me havia cruzado e que me despertou muita curiosidade. Acreditem, ou não, voltamos às supostas coincidências porque se trata de um ensaio escrito por um historiador, reflectindo sobre alguns dos temas que também, a mim, me preocupam, desferindo golpes em vários aspectos da nossa vida quotidiana enquanto, como refere, prosaicamente nos preocupamos com a roupa que vamos vestir aos miúdos ou a comida na mesa.

O mundo está a tornar-se incompreensível, estamos a deixar uma pesada herança para os que nos sucedem e continuamos como se nada fosse. Desculpem lá, mas o que é que estão a fingir que não estão a ver?