O sapo e o escorpião desta semana moram ambos nos Passos Perdidos, ainda que um seja sapo à porta fechada e outro escorpião à vista de todos (e com transmissão na televisão da Assembleia da República).

O sapo (ou os sapos)

Esta semana temos uma dupla, o diretor do Serviço de Informações e Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz, e a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), embaixadora Maria da Graça Mira Gomes.

Ambos participaram numa reunião à porta fechada que teve como objetivo esclarecer as circunstâncias em que o SIS foi contactado e atuou, no passado dia 26 de abril, para recuperar um computador que estava na posse de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas, que nesse dia tinha sido demitido pelo ministro João Galamba.

Vamos por pontos, para ajudar o leitor que está perdido na novela:

  • Maria da Graça Mira disse que o seu gabinete serviu apenas de intermediação para facilitar a comunicação entre o Ministério das Infraestruturas e o SIS, mas não deu qualquer ordem ao SIS para atuar neste caso
  • O diretor do SIS, Adélio Neiva da Cruz, também não recebeu diretamente a comunicação ou "ocorrência", como é designada, mas sim um seu adjunto
  • Esse adjunto, sim, decidiu atuar rapidamente porque as informações de infraestruturas são encaradas como essenciais para a segurança do Estado
  • Nem Adélio Neiva da Cruz nem Graça Mira Gomes avaliaram a situação na perspetiva de haver presença de um crime, já que se assim fosse não seria da sua competência tratar da recuperação, mas sim da PJ e da PSP - isto apesar de João Galamba, e o próprio primeiro-ministro, se terem referido ao episódio do computador como um furto, que é crime
  • Por último, ambos os dirigentes das “secretas” foram unânimes a dizer que o cidadão Frederico Pinheiro devolveu o computador livremente, sem qualquer pressão.

Ou seja, tudo está bem quando acaba bem - e na fábula o papel do sapo é mesmo dar boleia ao escorpião, seja lá ele quem for.

O escorpião

Era uma audição muito aguardada, a de Diogo Lacerda Machado. Para os mais desatentos, Lacerda Machado foi o advogado escolhido por António Costa, em 2015, para representar informalmente o Governo nas negociações que conduziram à alteração da privatização da TAP dos moldes propostos pelo executivo liderado por Pedro Passos Coelho para a reconfiguração da estrutura acionista da era da geringonça, baixando para 45% a parte privada e subindo para 50% a participação do Estado.

Também para os mais desatentos, a nomeação "informal" de Lacerda Machado, que é amigo pessoal de António Costa, foi, à época, um tema bastante discutido.

Em audição no parlamento, por requerimento do PSD, que exigiu explicações, Lacerda Machado não se fez rogado nas respostas e forneceu amplo material sobre o papel que desempenhou, as opiniões que tem sobre o que aconteceu e até sobre o papel futuro que possa vir a ter na venda da TAP.

Uma pequena seleção do que disse Lacerda Machado:

  • "Se não houvesse investimento no Brasil, [hoje] não havia provavelmente TAP”,afirmou, sublinhando que “a TAP viveu e vive do Brasil”, que “é o seu principal ativo estratégico” e que este “foi de longe o melhor investimento que a TAP fez em 50 anos”
  • Sobre a compra de 61% da TAP pela Atlantic Gateway, na privatização de 2015, que envolveu a capitalização da companhia com 226,75 milhões de euros com fundos que a empresa de David Neeleman e Humberto Pedrosa recebeu diretamente da Airbus, e terão sido entregues como contrapartida de um negócio de ‘leasing’ de 53 aviões pelo fabricante europeu (pondo a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização), Diogo Lacerda Machado afirmou-se "impressionado com a vertente financeira" desta operação na perspetiva da TAP e elogiou o papel de David Neelman, que, "entre as várias coisas notáveis que fez", uma delas foi abrir o mercado norte-americano à Airbus, onde tem "crédito ilimitado"
  • Sobre o pagamento de 55 milhões de euros a David Neeleman para sair da companhia aérea, o advogado garantiu não fazer "a menor ideia, não tive o mínimo envolvimento nessa circunstância. […] Vai ter de fazer essa pergunta a quem tomou essa decisão. Eu não a compreendo”.
  • Já quanto a David Neeleman, que considerou “um homem genial no mundo da aviação”,  afirmou que o objetivo do acionista era sair da TAP através de abertura de capital, como tinha feito anteriormente noutras empresas.
  • Em 2020, quando a TAP voltou à esfera do Estado, na sequência do auxílio devido aos problemas causados pela pandemia, Lacerda Machado era administrador não executivo da TAP, cargo que deixou em abril de 2021, e a companhia aérea era tutelada pelo então ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos.

E o futuro a Lacerda Machado pertence, já que não vê que o seu passado como representante do Governo, indicado a título de confiança por António Costa, de quem é amigo pessoal, possa de alguma forma o impedir de se envolver na futura privatização da TAP. “Não estou envolvido em nenhuma entidade interessada, tenho sido procurado por várias - e já agora não vejo nenhum conflito de interesses -, não aceitei nenhuma das abordagens, […] não excluo envolver-me se achar que posso ser útil à própria TAP”, foi o que respondeu o advogado.

Além do mais, há dois anos que não fala com ninguém da TAP sobre a TAP, e nem mesmo com António Costa, com quem não fala “desde o dia 9 de abril de 2020”.

A novela que é a comissão de inquérito à TAP está ainda nos seus primeiros capítulos, e o striptease que vai sendo feito aos últimos anos da companhia promete fazer correr muita tinta. É uma espécie de verão para os "escorpiões", que mais facilmente saem cá para fora, sem medo de não fugir à sua natureza.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.