Há cada vez mais gente que está contra as nomenclaturas que têm governado o tempo recente, e que desfralda com fúria, na internet, na rua e no voto, as bandeiras da indignação. As eleições na Andaluzia mostram que a vaga de extrema-direita chegou às portas de Portugal, com 400 mil votos que correspondem a 11% do eleitorado.

Nem será certeiro dizer-se que a extrema-direita avançou por Espanha e disparou na Andaluzia. Provavelmente, já lá estava, sempre terá estado, mas em surdina. O discurso que os líderes do partido Vox pronunciaram no comício que em 7 de outubro abarrotou, com mais de 10 mil pessoas, o pavilhão Vistalegre, em Madrid, e o que pronunciaram nesta campanha andaluza assume sem pudor a nostalgia de muito do tempo franquista. Vox dá voz ao que já lá estava metido em silêncio – mas a que se junta, claro, muita gente nova. Agora, todos perderam complexos e assumem-se apoiantes de um partido xenófobo e eurofóbico.

O que emergiu nestas semanas e meses foi o forte nacionalismo espanhol. Da Espanha de Castela. É um sentimento muito engordado pelo conflito independentista catalão: aqui d’el rei que há que defender a unidade da Espanha!

A Andaluzia, com quase oito milhões de habitantes é a maior comunidade de Espanha em tamanho e número de pessoas. O voto andaluz serve como radar para o que vem a seguir. O movimento está anunciado e supera muito a evolução prevista pelas sondagens.

Nas eleições deste domingo na Andaluzia há o paradoxo de os ganhadores saírem derrotados e os perdedores aparecerem em triunfo.

O PSOE venceu todas as eleições nos 38 anos de autonomia da Andaluzia, várias vezes com maioria absoluta. Desta vez, continuou a ser o partido mais votado mas, ao receber apenas um milhão de votos, perdeu, em relação às anteriores eleições, em 2015, 400 mil eleitores e 14 deputados. Fica com 33. É uma catástrofe para os socialistas no seu bastião histórico, e este desastre não pode deixar de pressionar o governo de Pedro Sanchez em Madrid, por mais que ele se tenha sempre distanciado da vencedora derrotada e adversária interna no PSOE, Susana Diaz. A corrupção e a arrogância que se tornaram marca do sistema político do PSOE na Andaluzia passaram esta pesada fatura eleitoral, numa região que sempre foi orgulhosamente muito de esquerdas e que agora dá maioria à direita.

O PP já teve 50 deputados na Andaluzia e nunca conseguiu governar a região. Agora, tem 26, perdeu 250 mil votos (recebeu 750 mil), continuou a ser segunda força, mas está à beira de tomar o governo em Sevilha. É um poderoso impulso para Pablo Casado o novo aspirante que sucedeu a Rajoy na liderança do PP. Conta com um outro êxito: venceu a competição com o rival Ciudadanos na disputa da liderança do espaço da direita em Espanha.

O Ciudadanos é, nestas eleições andaluzas, o partido que mais cresce: recebe 650 mil votos, alcança os 18%, dispara de nove para 21 deputados. Perde no confronto com o PP: fica a 100 mil votos, a dois pontos percentuais e a cinco deputados. Ainda pode, porém aspirar a impor-se ao PP na ambição de presidir ao governo andaluz, com o argumento que é a força que mais cresce. Talvez haja no PSOE quem queira dar a mão ao Ciudadanos se isso permitir barrar a extrema-direita Vox na área do governo.

PP e Ciudadanos têm um problema: a maioria de direita precisa dos 12 deputados nacionalistas-populistas do Vox. Muito eleitores moderados daqueles partidos não quererão ver-se na cama política com a extrema-direita. É um debate que vai dominar os próximos tempos da política espanhola.

Vox apareceu nas eleições gerais de há dois anos. Recebeu então 8.341 votos na Andaluzia. Agora, passou para 396 mil.

A coligação liderada pela esquerda Podemos, com 600 mil votos (16,2%) não teve alternativa para captar para a esquerda votos que saíram do PSOE.

Está aberto um novo ciclo eleitoral em Espanha. O primeiro-ministro Pedro Sanchez vai ser cada vez mais pressionado para convocar eleições gerais. É de admitir que as faça coincidir com as europeias, em maio. Poderá haver um super-domingo eleitoral, também com eleições locais e autonómicos.

A discussão em volta da questão catalã vai ser dramatizada. Não é de excluir que os bascos também entrem na querela.

Está demonstrado pela votação no Vox que os resultados crescem apesar da má imagem nos espaços tradicionais de propagação de mensagens. A política do contra tem as redes sociais como instrumento que funciona como agitador.

A extrema-direita espanhola perdeu complexos e saiu do silêncio meio clandestino. A esquerda está acossada. A direita tradicional recuperou fôlego mas também se confronta com inquietações.
O radar eleitoral da Andaluzia avisa-nos que há que estar, nos próximos meses, com atenções voltada para Espanha.

VALE TER EM CONTA:

Gilets Jaunes/Coletes amarelos: as histórias de manipulação; o perfil dos radicalizados; apesar da violência, seguem com o apoio de 72% dos franceses; a crise nas primeiras páginas francesas.

O alerta no The Guardian para o racismo no Reino Unido.

Vai dar muita discussão: o modo como Bolsonaro vai tratar as questões do ambiente.

Está a chegar o tempo dos balanços: músicas do ano para ouvidos dos EUA