Timothy Snyder, o professor de História em Yale, famoso internacionalmente pela publicação no Youtube de um seminário sobre a Ucrânia, recentemente publicou no seu substack um “Glossário sobre a Oligarquia Mump” em que explica vários termos aplicáveis ao que está a acontecer no país.
Assim, o nome do novo regime é a conjunção de Musk e Trump, o “centibilionário” e o falso rico, na ordem certa. Trata-se duma oligarquia, o domínio dos ricos. Trump é o porta-voz dos oligarcas, e poderá um dia desaparecer, mas os oligarcas são para sempre. Na Mumptopia, os norte-americanos passam o dia em frente aos seus ecrãs a aprender quem devem odiar ou venerar, segundo algoritmos criados por imigrantes engenheiros de software. Morrem ainda jovens numa Terra sobreaquecida, a sonhar com viagens a Marte.
Mump não é o mesmo que MAGA. Os MAGA são aqueles que não perceberam que deram o poder a um centibilionário imigrante ilegal da África Sul. Os mumpers mais importantes podem ser sul-africanos ou russos, desde que estejam próximos do poder. Exemplos: Musk, Putin, Thiel e Sacks (criadores do Paypall), Trump agora e Vance no futuro. Finalmente, temos os mumpets, que são as pessoas que escolheram submeter-se a Musk, como os membros do Congresso que ignoram as suas responsabilidades para votar nos executivos escolhidos por Trump, e cujas palhaçadas e fascismo se destinam a enfraquecer o Estado para aumentar os lucros de Musk.
Tudo isto seria muito engraçado, se não fosse real. Snyder, que é uma pessoa séria, deve andar tão desesperado com o que está a acontecer que só o consegue explicar através da sátira. Mas há outros comentadores abismados com a vitória de Trump, que só pode ser percebida admitindo que os norte-americanos são como ele, ou, pelo menos, se identificam com a sua desonestidade e superficialidade, falta de empatia pelos mais fracos ou mais pobres e todas as outra características da “ameaça cor de laranja”, como lhe chama Teresa Anafin, do “Boston Globe”.
Outro jornalista e historiador, Niall Fergusson, escreve que “quando uma pessoa está na sua presença em Mar-a-Lago, percebe imediatamente que Trump hoje é muito mais do que um presidente eleito, é o Rei. Meus aristocratas, senhoras e senhores, apresento-lhes o Monarca Americano, Donald Trump”. De facto, Trump, instalado na sua enorme mansão na Florida, recebe graciosamente o beija-mão de todos os que não querem ficar mal vistos na corte, desde Tim Cook (Apple) e Mark Zuckerberg (Meta), a Georgia Meloni (Primeira-Ministra da Itália). É ele que o noticiário internacional mostra diariamente; Biden, que ainda é o Presidente, desapareceu do radar. E todos os dias Trump tem algo de mirabolante para dizer, como que quer ocupar o Canadá, a Gronelândia e o Panamá, ou anunciar uma nomeação estarrecedora para o seu executivo.
Mas, pensando bem, a situação de Musk, é muito mais surreal do que Trump, que afinal de contas foi eleito por uma (pequena) maioria de cidadãos para o cargo de Presidente, e arvorado a Rei, por uma decisão do Supremo Tribunal (ao conceder-lhe imunidade quase absoluta pelos seus actos.) Musk não foi eleito por ninguém e vai ocupar um cargo que não existe na hierarquia tradicional do país - uma espécie de “Comissão Consultiva”. Sobre ele, podemos citar a jornalista veterana Nellie Bowles: “É muito estranho, o poder de Musk, em expansão permanente . É um homem cujo poder atravessa vários sectores industriais enormes, que agora discursa sobre a agenda política de vários países do mundo, e cujos seguidores são tão devotos que poriam a sua cabeça numa moeda. Normalmente, é preciso matar pessoas para ter tanto poder. É preciso atravessar desertos com milhares de soldados. Tem de se controlar os circuitos da alimentação. Há que manter uma polícia secreta 24 horas por dia para prender os dissidentes e instalar o medo. Ou então, proclamar o Direito Divino e convencer milhões de que se é o único descendente do Sol. Tudo isto para dizer que Musk, com 53 anos, chegou ao poder de uma maneira completamente diferente. Foi uma conquista sem derramamento de sangue. Povos de várias nações em todo o mundo revoltaram-se contra os seus fracos governos provincianos para seguir Musk, que foi co-fundador da Pay-Pall, criou e dirige a Tesla, SolarCity, StarLink e SpaceX, entre outras. Mas a revolução foi discreta, feita nos computadores, postagem a postagem. Foi a mais pacífica tomada do poder, a começar pela compra do Twitter (agora X), que todas as pessoas espertas consideraram uma estupidez e que a plataforma estava a morrer, e de repente renasceu.”
Na verdade, os observadores neste momento estão mais na expectativa de ver como Trump vai desembrulhar o pacote do que certos do que estará lá dentro. Quer dizer, ninguém acredita que ele vá mesmo invadir o Canadá ou a Gronelândia; o primeiro é um país amigo de longa data e a segunda pertence à Dinamarca, um aliado na NATO. Agora, que ele possa invadir o Panamá - um país inventado pelos norte-americanos para deterem a soberania sobre o canal e que ocuparam diversas vezes - já não parece tão impossível. Claro que teria consequências brutais, uma vez que colocava o país numa posição de agressor, a par com a Rússia ou Israel. Até me sinto um pouco ridículo a discutir uma probabilidade tão surreal. Mas como não discutir, se o homem fala nisso quase todos os dias?
Os disparates que os mumpers vão fazer no seu próprio país, como virar de alto a baixo a administração pública, dando preferência aos mumpets sobre os especialistas, ou como permitir mais exploração de petróleo nas terras públicas e proibir o tratamento da água potável - esses disparates vão afectar apenas os que deram o poder a Trump, é bem feito. Agora os dispares internacionais que estão no horizonte, a começar pelo esvaziamento da NATO e a subida de tarifas alfandegárias, esses afectam milhões de pessoas em todo o mundo que não votaram na Mumptopia e vão sofrer as consequências. Não vai ser nada bonito de se ver, e pior ainda de viver.
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