A chave para que o resultado de hoje possa ser o que há dois meses ninguém ousava imaginar está na mão dos eleitores jovens. Em abril, quando as sondagens davam mais de 20 pontos percentuais de avanço de Theresa May sobre Jeremy Corbyn, ainda não se sabia do inédito ativismo e mobilização dos eleitores jovens em volta do veterano líder trabalhista.
O instituto de sondagens YouGov estima que 71% dos britânicos com idade entre os 18 e os 25 anos está com Corbyn. Na faixa entre os 25 e os 39 anos, os trabalhistas têm vantagem acima dos 10 pontos percentuais: 46/33. Acima dos 45 anos, em todas as faixas, os conservadores dominam, o avanço chega a ser na casa dos 40 pontos (60/20) entre os eleitores com mais de 65 anos.
A taxa de participação dos jovens no voto tem sido baixa nas últimas consultas. Desta vez, segundo uma sondagem do ICM para The Independent, dois em cada três jovens tem intenção de votar nesta quinta-feira. Irão mesmo? Da robustez da afluência dos eleitores jovens depende a dimensão da vitória dos conservadores: ou amarga ou triunfal.
Todas as sondagens dão os conservadores acima dos 40% nas intenções de voto. Todas dão os trabalhistas abaixo dos 40%. A distância entre estes dois partidos dominantes varia entre os quatro pontos, na última sondagem YouGov, e os 12, na última sondagem ICM.
Todos os media tradicionais, excepto The Guardian e o Mirror, puxaram pelos conservadores, ainda que sem grande entusiasmo por Theresa May. No Whtasapp, no Snapchat e em todas as outras redes sociais quase tudo puxa pelos trabalhistas.
Quando, em 18 de abril, Theresa May convocou estas eleições antecipadas, com intenção de ampla confirmação para negociar fortalecida o Brexit, esta história parecia um não-evento. Tudo apontava para o triunfo confortável dos conservadores. Nessa ocasião, as eleições em que todos estavam focados eram as francesas, então à porta, e as alemãs no próximo outono.
Com o começo da campanha eleitoral toda a gente se agitou porque começou a ser evidente algo de inesperado no Reino Unido: os jovens mostraram querer ter voz, com a aspiração de lugar na universidade, estágios remunerados, apoios sociais, ajuda para casa própria. Mobilizaram-se e encontraram nos argumentos de Corbyn um espelho em que se revêem.
O líder trabalhista centrou a campanha nos temas da justiça social. Focos: os estragos causados pelos cortes sociais nos últimos sete anos com governos conservadores, o número de sem-abrigo que duplicou, os trabalhadores pobres que se multiplicam, as listas de espera que se alongam nos hospitais, a quebra nos apoios aos idosos e a redução do investimento no ensino público.
Com surpresa geral, Corbyn, antes sempre representado implausível para liderar, com imagem de uma criatura da esquerda raquítica ultrapassada pelo tempo, apareceu convincente nas entrevistas, mostrou dominar os dossiês e ganhou palco. Impôs-se em comícios como uma rock star. O seu pacifismo e apelo à justiça e ao sonho cativa os mais novos. Os apoiantes tratam-no por Jezza ou Jez, diminutivo de Jeremy e cultivam a palavra de ordem “Jez we can”, versão britânica do slogan de Obama. Corbyn fechou a campanha a dizer poesia do grande Percy Shelley e a definir-se: “Não fiz a universidade mas amo os livros, a literatura e a poesia”. Um estilo afectuoso que contrasta com a rigidez de May.
Theresa May recusou sempre o debate cara a cara com o líder da oposição, optando por percorrer o país a proclamar-se uma líder “forte e estável”. Sucessivas alterações no programa eleitoral conservador legitimaram a acusação pelos trabalhistas de que é “fraca e instável”. A exploração populista que fez do terrorismo mostrou que lhe falta grandeza de princípios na liderança.
Logo à noite se verá se Theresa May sai forte ou fraca do juízo de 47 milhões de britânicos. Tudo pode acontecer. A surpresa da campanha foi a solidez política de Corbyn. Os conservadores têm a vitória anunciada, mas se não for um triunfo com confirmação da maioria absoluta o resultado tem o sabor de derrota.
As primeiras projecções logo às 10 da noite podem ser enganadoras. Nas eleições de há dois anos, em 7 de maio de 2015, anunciava-se que conservadores e trabalhistas estariam ombro a ombro; de madrugada, os conservadores triunfavam, passando de 302 para a maioria absoluta de 331 deputados, deixando de precisar do apoio dos liberais-democratas, que sofreram derrocada perdendo 49 dos 57 lugares que tinham. Os trabalhistas saíram derrotados, caíram de 256 para 232 deputados. O que tinha começado por parecer um quadro de empate deu em triunfo dos conservadores então de Cameron, com mais 99 deputados que os trabalhistas, então de Milliband. A derrota trabalhista custou a liderança ao social-democrata Milliband, substituído pelo socialista Corbyn.
Esta noite, May e Corbyn confrontam-se com a incerteza sobre o seu destino político. Daqui a 11 dias começa a primeira ronda de muito complexas negociações entre o Reino Unido e a União Europeia sobre o Brexit. Muitos escoceses estarão a clamar por independência. Há a impressão de que as atuais lideranças partidárias estão muito abaixo do ideal. Há muita gente a vê-las medíocres.
Uma figura emergiu nos últimos meses, é o pragmático Sadiq Khan, mayor trabalhista de Londres: filho de imigrantes paquistaneses e praticante muçulmano, tem sido uma referência de inteligência política e decência. Tem enorme simpatia entre os jovens e a cota geral de aprovação na multicultural Londres é alta. Está na calha para numa próxima ocasião emergir como líder no Reino Unido, sempre multicultural.
Uma última nota: estas eleições tendem a confirmar a extinção do UKIP como força do nacionalismo britânico anti-europeu.
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