Hoje é dia de cerimónia de entrega dos Óscares. Hoje, como quem diz madruga de segunda-feira. Esta cerimónia é o reflexo de uma indústria profundamente discriminatória e parece-me estranho que os movimentos pós-modernistas ainda não a tenham atacado fortemente para que se adaptasse às novas questões da igualdade, sobretudo da de género. Já não vou a tempo de alterar a 90ª edição, mas vou deixar algumas sugestões à Academia para que nas próximas tenhamos uma cerimónia mais inclusiva.

Desde logo, a abolição das categorias femininas e masculinas – parece-me óbvio o porquê: o género é uma concepção cultural e tal como não existe categoria de “melhor realizador” e “melhor realizadora”, parece-me sexista o facto de haver diferenciação de género nas categorias de representação. Se dizer “Ladies and Gentlemen” no metro de Londres foi considerado não inclusivo, também estas categorias correm o risco de discriminar quem não se sente homem nem mulher, fazendo com que quem se identifica com o género neutro, entre outros, fique melindrado com as nomeações. Penso que uma categoria geral de representação resolveria esta abismal discriminação e tornaria o mundo num local melhor. Isso ou criar várias outras categorias, se bem que a cerimónia ficaria ainda mais longa e secante do que o habitual. Imaginem terem de papar com mais categorias sem interesse nenhum – ainda mais – até chegar à de melhor filme que é a que realmente interessa: “Melhor representação na categoria de género neutro”; “Melhor representação na categoria de ser que se identifica com um réptil”; “Melhor representação de coiso ou coisa”.

Depois, temos a questão das quotas que não são preenchidas e que discriminam várias comunidades. Quatro ou cinco nomeados são insuficientes para abranger todo o tipo de minorias que devem ser representadas na indústria cinematográfica para que o mundo passe a ser um lugar onde a igualdade é para todos. Se considerarmos apenas a comunidade negra, asiática e nativo-americana e as combinarmos com a comunidade LGBTQIAPK (não, não é a minha password de WI-FI), percebemos que necessitaríamos, no mínimo, de trinta nomeados em cada categoria para fazer face à discriminação. Isto para não falar de que depois iríamos ter os anões à perna, talvez literalmente, por não estarem representados. E depois os coxos, e os manetas, e por aí fora. E os de género fluido que num dia se identificam como homem e no outro como mulher? Eram nomeados consoante o género com o qual se identificavam enquanto gravavam o filme ou à data da cerimónia? Era uma salganhada que ninguém se entendia.

A igualdade, afinal, através de quotas e de igualdade de resultados e não de oportunidades, é mais complicada de atingir do que pensava, inicialmente. Talvez não seja boa ideia e o melhor seria, lembrei-me agora, não haver nomeados! Hum? Toda a gente que participou num filme em qualquer parte do mundo passa a ser nomeado automaticamente! São todos nomeados! Assim, todas as comunidades e minorias estariam representadas na lista extensiva de todos os seres humanos que representaram no ano transacto! Até o Adam Sandler seria nomeado! Ah, quer dizer, talvez seja melhor, durante uns anos, vetar as nomeações de todos os homens brancos heterossexuais e cisgéneros pois, muito provavelmente, se ganharem o prémio vamos descobrir que são predadores sexuais que um dia beijaram mal alguém. Talvez seja melhor vetar o Adam Sandler, então… quer dizer, mas o Adam Sandler é judeu e não se pode discriminar os judeus! Desisto. Isto da luta pela igualdade nestes moldes é demasiado complicada. É melhor deixar os Óscares como estão: um grupo de privilegiados a dar palmadinhas nas costas de outros ainda mais privilegiados enquanto fingem que se preocupam com os problemas do mundo e choram por receber uma estatueta com o qual só eles se interessam. Por falar nisso, a estatueta é a única coisa nesta cerimónia que celebra a igualdade e apesar de se chamar Óscar, basta olharmos para a anatomia e perceber que que não tem sexo.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Vejam a cobertura dos Óscares em directo aqui no SAPO 24, com o Guilherme Fonseca e o Pedro Silva.

Dia 21 de Março, no Cinema S. Jorge, vai acontecer um evento único: um roast ao cancro que reverte a favor do IPO. Vai contar com um painel de humoristas no qual estou incluído. Bilhetes à venda neste link.

La Casa de Papel