Quem recorre ao Tribunal Constitucional para contestar a validade de uma qualquer lei ou norma à luz da Constituição costuma fazê-lo com prévio e bem audível anúncio público e como prova de empenho numa luta por uma causa que considera justa.

Tivemos muito disso nos últimos quatro anos, como sabemos, com ameaças consequentes de pedidos de verificação de muitos diplomas que sairam da maioria PSD/CDS.

Mas desta vez foi diferente. Os 30 deputados que pediram ao Tribunal Constitucional para verificar a constitucionalidade da redução das subvenções vitalícias para titulares de cargos políticos optaram por fazê-lo pela calada, em silêncio e na esperança de que nunca se soubesse quem eram os autores de tal iniciativa. Entende-se porquê. O despudor é tão grande que até eles o perceberam.

O TC analisou e decidiu. Depois, os jornalistas fizeram o seu trabalho e hoje sabemos quem são. A lista está aqui, no final deste artigo. Devemos conhecê-la e guardá-la.

Há ali gente dos dois principais partidos, PS e PSD. E haverá ali de tudo em termos de seriedade, competência, entrega à causa pública, honestidade financeira e intelectual e o mais que quisermos. Uma lista de 30 é suficientemente abrangente para lá ter de tudo.

Mas uma coisa, pelo menos, os une a todos: a ideia de que têm o direito a receber de forma vitalicia uma renda mensal paga pelos contribuintes equivalente a 80% do seu último ordenado só pelo facto de terem desempenhado cargos políticos durante pelo menos 12 anos. Isto independentemente de terem outras fontes de rendimento, pensões de reforma, ordenados, o que quer que seja. E é uma ideia tão forte, esta de que o privilégio desproporcionado é um direito, que até estiveram dispostos a lutar juridicamente por ele, dando-se ao trabalho de o contestar junto do TC.

É uma falta de vergonha sem nome. Sobretudo porque o contexto em que aconteceu é o que sabemos. Nos últimos anos, foram milhões os portugueses que viram cortados direitos que davam como adquiridos: salários, reformas, subsídios de subsistência, indemnizações em caso de despedimento e tudo o que sabemos. Mas também porque a norma que constava do Orçamento do Estado de 2015 e que o TC agora declarou inconstitucional salvaguardava a eventual necessidade dos beneficiários da subvenção vitalícia: só era cortada a quem não tivesse rendimentos superiores a 2.000 euros por mês. Apesar disso eles avançaram. Chocante, não é? Mas aconteceu.

Não diabolizo o TC, que tem que fazer aplicar a Constituição que existe, de acordo com o entendimento do seu colectivo, e não outra qualquer que não temos. Mas não deixa de ser curioso que muitos dos que aplaudiram as decisões do TC que reverteram muitas medidas de austeridade nos últimos anos e acusaram o governo anterior de estar a governar contra a Constituição sejam agora os mesmos que criticam esta decisão dos juízes. Incluo aqui o PCP e o BE que estão contra a existência da subvenção vitalícia, posição que subscrevo na íntegra. Mas temos que apelar aos deputados destes dois partidos que sejam consequentes com essa sua posição: apresentem no Parlamento uma lei que acabe com ela de vez para todos e, se necessário for, avancem com uma proposta de revisão da Constituição que o permita. Passem das palavras aos actos que a causa bem o merece.

Em 2005, o Governo de José Sócrates deu um enorme contributo para se acabar com este absurdo privilégio ao legislar que ele terminaria daí para a frente. Resta agora completar o serviço e terminar com as sinecuras antigas que ainda sobrevivem e que tão bem simbolizam o chamado Bloco Central dos interesses. Um país que obriga os contribuintes a um pagamento vitalício a Armando Vara e Dias Loureiro pelos bons serviços prestados ao Estado - só para citar dois casos que beneficiavam dele em 2013 - não é um país decente. É um sítio que teima em manter-se mal frequentado.

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