Este clima de desconfiança nas instituições democráticas e radicalismo político favoreceu o surgimento de um candidato presidencial às próximas eleições, em 2018, que há um ano parecia impossível: o ex-militar e atual deputado federal Jair Bolsonaro, notabilizado por afirmações tão reacionárias que até assustam as forças mais conservadoras.

O que não falta a Bolsonaro é arrogância e uma certeza inabalável nas suas convicções – ideias essas que o crescente desespero de algum eleitorado vê cada vez mais como uma possibilidade de tirar o país do beco sem saída em que todas as presentes forças políticas o colocaram. Nenhum partido, e a grande maioria dos políticos, oferece um mínimo de confiança, e nesse quadro, a mistura de Trump e Duterte que Bolsonaro personifica vai crescendo assustadoramente. Os intelectuais (comunicação social, opinadores, etc) desprezam-no, os donos de tudo receiam-no, e os que nada têm são indefetivelmente a favor de Lula e do PT, mas há uma classe média entalada entre a recessão e a falta de crédito e de oportunidades que parece ver nele a salvação.

Ideologicamente, Jair Bolsonaro é difícil de esmiuçar, dentro dos conceitos geralmente aceites, pois mistura afirmações contraditórias e muda-as com frequência. Mas é fácil de perceber que se trata de um militarista reacionário, que ainda defende o golpe militar de 1964, condenado por toda a gente, inclusive pelos militares. Vai ao ponto de defender a tortura como método de governação e chegou mesmo a elogiar publicamente um famoso torturador da ditadura, Brilhante Ustra — e disse-o em circunstâncias particularmente malignas, quanto fez declaração de voto pelo impeachment da Presidente Dilma Roussef, que tinha sido torturada por Ustra.

Quase abertamente, o deputado defende a volta de um regime semelhante ao da ditadura, o que seria impossível dentro do quadro constitucional vigente; mas os largos poderes do regime presidencial brasileiro decerto que permitiriam muita arbitrariedade oficial. No entanto, são os próprios militares, que têm mantido um sábio distanciamento em relação ao processo político presente, os primeiros a não apoiar Bolsonaro.

Segundo o político do PSD Jorge Bornhausen, que os conhece bem, “a oficialidade das Forças Armadas constitui a mais forte oposição à candidatura de Jair Bolsonaro, que largou a farda em litígio com o Exército, está há um quarto de século como deputado e tenta usar sua ligação antiga com a área militar para se lançar à Presidência. O que os políticos falam contra o Bolsonaro conta a favor dele, mas quando os militares começarem a falar, aí, sim, isso vai pesar contra ele.”

Nesses 25 anos em que Bolsonaro se fez eleger deputado pelo Rio de Janeiro já transitou por nove partidos e atualmente está a formar o próprio, com vista às presidenciais. Feito a partir do PEN (Partido Ecológico Nacional, cujo nome nada tem a ver com os objetivos), chama-se, muito adequadamente, “Patriota”, e conta já com mais de 75 mil filiados. Além desta força, o deputado poderá contar com uma bancada de 31 colegas, espalhados por diversos partidos.

A chamada “bancada evangélica” constituída por 85 deputados federais e dois senadores, num total de 87 parlamentares, em determinadas situações votará por ele — preferem certamente os conceitos ultra-conservadores ao “perigo ateu e comunista” representado pelo PT e os seus aliados. (Os parlamentares católicos não estão incluídos no grupo dos evangélicos, que é o que mais tem crescido nos últimos anos e representa uma séria ameaça aos valores liberais.)

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Precisamente, Bolsonaro tem-se notabilizado na defesa da “família tradicional” e contra os direitos LGBT, casamento de pessoas do mesmo sexo, e interrupção voluntária da gravidez (que, graças à conjugação dos católicos e dos evangélicos, ainda é crime no Brasil, e praticada ilegalmente). Estas posições, Bolsonaro exerce com um machismo agressivo. Ficou famosa uma cena, gravada, em que atira à deputada Maria do Rosário, do PT: “Só não a violo porque você não merece!”. Mas, ao perceber que tem possibilidades presidenciais, ou pelo menos de ser candidato, começou a fazer declarações económicas – nacionalistas, evidentemente. A China assumiu o controlo de 20% do mercado de sementes de milho no Brasil, com a compra da Dow Agrosciences pelo fundo chinês Citic Agri. Tweet de Bolsonaro: “O país está perdendo o controle da produção primária e da sua própria segurança alimentar. É preciso estabelecer limites legais, urgentes e propositalmente não utilizados nesta área.” Trump não diria melhor.

Nas ruas, já começa a haver embates entre simpatizantes do deputado e as várias milícias do PT. Há quem lembre o clima da Alemanha antes da subida dos nazistas ao poder, quando enfrentavam os comunistas, muito mais numerosos. Claro que estas comparações são mais paranoicas do que pertinentes, mas os outros partidos, que não se ficam por estados de alma, têm encomendado sondagens, com resultados reveladores.

Uma pesquisa encomendada pelo PSDB – o partido que tem atravessado todos os governos desde 1985 – coloca Bolsonaro em segundo lugar, atrás de Lula. O possível candidato do PSDB, Geraldo Alckmin fica em terceiro, muito atrás, e todos os outros são negligenciáveis. Os principais interesses do eleitorado são segurança e saúde, dois temas em que Bolsonaro tem mais hipóteses de criar soundbites, do que as preocupações tradicionais dos brasileiros, emprego e salário.

Na hipótese, por enquanto muito provável, de que Lula poderá candidatar-se a Presidente em 2018, também poderá acontecer que Bolsonaro seja o segundo. Numa segunda volta entre os dois, toda a direita (que é pequena) e o centro (que é bastante grande), talvez prefiram Bolsonaro a uma continuação do PT, que está muito desacreditado da classe média para cima.

Por enquanto os principais analistas consideram a hipótese Bolsonaro impossível. Mas que essa hipótese tenha de ser levada em consideração já diz muito sobre o desespero que reina no Brasil.

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