Estão enganados os taxistas, as plataformas como a Uber ou o Governo português que, esta segunda-feira, se estão a digladiar em público sobre os seus putativos triunfos? Sim, porque se trata de uma conversa baseada nos interesses actuais e não no desenvolvimento futuro do sector do transporte público individual.

Os taxistas olham para os condutores de empresas como a Uber como concorrentes desleais, enquanto os governantes tentam gerir o diferendo entre as partes, mas podiam estar atentos ao advento dos carros autónomos que, muito provavelmente, vão colocar muitos condutores no desemprego - sejam taxistas ou da Uber, seja pela venda ou compra de licenças para táxis ou para operar carros de transporte geridos pelas novas tecnologias.

O que estão é a olhar para as actuais "regras do mercado", que se desactualizam rapidamente no que toca às novas tecnologias, nomeadamente no que se refere à inteligência artificial ou robótica, duas áreas científicas e tecnológicas que vão ter um enorme impacto neste sector económico. Por outro lado, há o imperativo legal, a que governos e parlamentos tentam responder, normalmente de forma atrasada.

O PCP, por exemplo, diz que este é “um protesto contra a actividade ilegal, contra a legalização da concorrência desleal e contra a consagração de um estatuto de privilégio para multinacionais que agrava a precariedade e impõe a lei da selva”.

Repare-se que só esta frase é um manancial de debate:

- empresas como a Uber agem numa "actividade ilegal" e, perante uma denúncia destas, o Ministério Público nada faz?

- como é que ocorre a potencial "legalização da concorrência desleal" se esta é uma "actividade ilegal"?

- como é que se dá "um estatuto de privilégio para multinacionais que agrava a precariedade e impõe a lei da selva” sem nada dizer sobre o "estatuto de privilégio" dos táxis em Portugal?

Qual "estatuto de privilégio", pode-se questionar? O ministro do Ambiente responde.

O benefício exclusivo do braço no ar

Empresas como a Uber são, segundo o ministro do Ambiente, "um fenómeno mundial, filho da sociedade da informação, e como qualquer serviço económico com esta génese, cresce apenas com as regras do mercado, existindo porque os clientes o desejam".

Num recente artigo de opinião, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, defendeu que a mobilidade urbana está sob tutela do Ministério do Ambiente "pois os transportes são os grandes consumidores de combustíveis de origem fóssil e terão que, até 2030, reduzir em 25% as suas emissões" e "o automóvel tem que deixar de ser rei". Considera, mesmo assim, que "os táxis desempenham um papel relevante no ecossistema da mobilidade. Eles têm direitos e obrigações de serviço público, como sejam os benefícios fiscais na compra dos veículos, o uso das faixas BUS, o exclusivo das praças de táxi, a simplicidade de formar um contrato de transporte com o cliente a partir de um simples braço no ar na via pública. Estas vantagens que são (e serão) exclusivas dos táxis têm obrigações correspondentes. O preço é 'dado' pelo taxímetro, os condutores são profissionais, as autarquias decidem qual o número de táxis no seu território".

Apesar do "contrato" de um cliente com um táxi "a partir de um simples braço no ar na via pública" e das vantagens exclusivas e perenes - e de não se entenderem quais são as "obrigações correspondentes"... -, a verdade é que o programa deste Governo incentiva "o desenvolvimento de plataformas digitais que simplifiquem e integrem numa base comum e acessível no telemóvel toda a informação ao utilizador, nomeadamente no que respeita à simulação do percurso, aos horários em tempo real e ao custo efectivo da viagem".

Esta proposta está actualmente mais próxima dos sistemas alternativos de transporte pessoal, como a Uber, do que o "simples braço no ar" - apesar dos táxis também poderem ter propostas semelhantes (e têm).

O programa do Governo aponta igualmente querer "promover o desenvolvimento dum sistema universal e integrado de pagamento de mobilidade (Cartão da Mobilidade), através do qual o cidadão possa aceder a todos os serviços de transportes públicos", assim como no "aluguer de veículos em sistemas partilhados".

O Governo pretende também "promover serviços de transporte flexível e 'on demand', sempre que tal seja adequado, nomeadamente em regiões e horários de baixa procura". Em resumo, onde não existam transportes públicos, nomeadamente táxis.

Olhar para o futuro

Deixando de lado os actores deste enredo actual e olhando de forma prospectiva, percebe-se que os profissionais dos táxis e os condutores dos serviços como a Uber não têm um futuro promissor.

A dinamização dos transportes públicos municipais ou os carros autónomos são um primeiro passo, mas o tipo de profissões requeridas nos próximos anos acentua igualmente esse potencial desaparecimento.

Em Agosto passado, em Singapura, foram lançados os primeiros táxis de condução autónoma. O objectivo é ter 50 táxis em 2019 - mas há uma explicação concreta porque pode ali triunfar este segmento de negócio: apenas 15% da população tem carro próprio, a geografia proporciona a condução autónoma e o governo local apoia este tipo de iniciativas.

Noutro continente mas na mesma altura, a Uber anunciou ir lançar uma frota de carros autónomos em Pittsburgh. A razão para apostar nesta cidade dos EUA deve-se a estar ali localizado o departamento de robótica da Carnegie Mellon University, que os mentores do projecto conhecem, declarando que o seu objectivo é "substituir o milhão de condutores humanos da Uber por condutores robóticos - tão depressa quanto possível".

Daqui a alguns anos, ainda veremos taxistas e condutores de empresas como a Uber unidos numa manifestação contra os carros autónomos?

Num recente artigo no Financial Times, o autor sintetiza o problema desta forma: "quando a sua indústria desaparece, perde-se tanto o rendimento como a identidade".

Ele usa o exemplo da comunicação social - um sector que teve provavelmente mais concorrentes do tipo Uber do que qualquer outro - referindo que o número de jornalistas tem diminuído, mas que as pessoas no lado das agências de comunicação (e que podem influenciar os jornalistas) tem aumentado, para uma proporção de 4,6 para um. E "são melhor pagos", nota.

É neste cenário que o autor do FT dá algumas recomendações sobre a "destruição tecnológica" - válidas para o sector da comunicação social, mas também para outros -, como não aceitar baixos valores pelo trabalho "freelancer" numa "indústria em crise", não se "queixar" porque é "aborrecido" e "é-se apenas um número, esmagado pela história". E é também desnecessário.

Crianças estão a aprender para profissões que ainda não existem

Não se aprecia, mas este é o mundo em que vivemos. A questão é se pode ser mudado.

Não.

Não, quando se olha para o mundo laboral que está à nossa frente. Um exemplo: 65% dos alunos que estão actualmente a frequentar as escolas primárias vão acabar em empregos que ainda não existem.

O mundo do emprego irá alterar-se nos próximos anos e é algo que se tem como assumido. Mais difícil de interiorizar é estar a colocar crianças a um sistema de ensino tradicional, cujo objectivo é pensar no dia de hoje, mas que daqui a 20 anos será muito diferente. "65% das crianças que entram na escola primária hoje vai acabar por trabalhar em novos tipos de emprego que ainda não existem", antecipa um estudo "Future of Jobs" do Fórum Económico Mundial (WEF).

"Em muitas indústrias e países, a maioria das profissões ou especialidades actualmente procuradas não existia há dez ou mesmo cinco anos atrás, e o ritmo da mudança deve acelerar", recorda o WEF.

Antecipar esse rápido "ritmo de mudança" é essencial para os países que se querem posicionar na economia do conhecimento, porque será o que vai permitir ter quadros preparados para entrarem nas organizações, quer a nível nacional como global.

Por exemplo, estima-se que, daqui a quatro anos, "mais de um terço do conjunto desejado de capacidades nucleares da maioria das ocupações será de capacidades que ainda não são consideradas cruciais actualmente" - nomeadamente a criatividade e o pensamento crítico.

Sinceramente, acham que criatividade e pensamento crítico estão presentes nas discussões entre taxistas, Uber e Governo? Ou em manifestações públicas?