Várias pesquisas científicas revelam que são as emoções que controlam a nossa percepção em relação ao outro e a certos grupos sociais, reforçando estereótipos. Um desses estudos explica que não está errado ter um pensamento negativo ou, mesmo, um sentimento preconceituoso porque, o que importa, são os comportamentos. Concordo. São os comportamentos de devemos melhorar e, quem sabe, mudar.
Do ponto de vista social, tendemos a apreciar as pessoas pelo seu aspecto catalogando-as imediatamente. A chamada primeira impressão é muito mais do que isso... Fazemos o mesmo com a música, criando associações entre a música que ouvimos, e gostamos, e o tipo de pessoa que podemos ser.
Preconceito #1: diz-me o que ouves, dir-te-ei quem és
#QuemNunca? Também eu já fui vítima desta percepção quase certa de que a música nos define. Pode definir mas não chega para dizer quem somos. Por outro lado, assumo o meu próprio preconceito em relação à música e suas associações. Também assumo que esse mesmo preconceito foi posto em causa, no fim de semana que passou, no show de Anitta, no Rock in Rio (RiR).
Preconceito #2: nem tudo o que parece é.
O Rock in Rio não é um festival de música mas isso não quer dizer que não nos surpreenda. Parece uma festa mas é um festival. Quer ser um festival mas é, na verdade, uma festa multi-marca. Será?
Preconceito#3: no Rock in Rio as pessoas vêm ver-se. E ser vistas.
Porque não vão pela música, a importância dada às fotografias, a quantidade de fotografias por hashtag e as poses por metro quadrado provam que, se calhar, esta afirmação não corresponde a nenhum preconceito... Ou será o maior dos preconceitos, julgar o outro por aquilo que lhe apetece fazer?
Todos sabemos - e aceitamos - uma certa definição resultante da roupa que usamos, os amigos que escolhemos e a música que escutamos. Contudo, uma pesquisa da Universidade de Cambridge revela que há diferenças entre julgar um livro pela sua capa ou um indivíduo pela sua biblioteca musical, demonstrando que boa parte dos estereótipos associados aos estilos musicais não são, necessariamente, verdadeiros, ainda que sejam uma afirmação da personalidade e identidade pessoal. Talvez por isso queiramos, muitas vezes, estar associados a géneros e estilos musicais mais eruditos ou alternativos, rejeitando os mais popularuchos, as músicas pop que tocam incessantemente na rádio e cuja métrica do refrão existe para martelar no ouvido. Mas, depois, soltamos a franga e cantamos esse mesmo refrão em uníssono num concerto. Estranho? Não. É um misto da força do colectivo e do nosso, afinal, pseudo-preconceito.
Há quem adopte uma forma mais refinada de preconceito, de quem não quer, sequer, conhecer uma música ou artista, porque considera que a sua imagem, e os poucos acordes que conhece, não encaixam nos seus padrões de exigência, numa postura e atitude contra os sucessos que tornam a maior parte das canções uma mera repetição umas das outras, estilos musicais importados que fazem sucessos temporários, transformando kizomba ou reggaeton em cenas de um determinado momento.
Confesso: foi assim que começou a minha relação com Anitta, repudiando-a por achar tratar-se de mais um exemplo de música a metro, esquecendo-me que, também a música a metro, pode ter uma mensagem. Para além do que ouvia na rádio, não conhecia mais nada. Nem me interessava.
Fui ao Rock in Rio 2018 um pouco contrariada. O evento é, para mim, excessivo. Milhares de pessoas em simultâneo num encontro que se assume mais como uma festa do que um festival de música, juntando nomes altamente improváveis no mesmo cartaz e piscando o olho às famílias, com artistas muito child friendly. Nada contra, mas prefiro não ir. No entanto, por ser #childfriendly, lá fui, acompanhada da minha #lovelyrita para me surpreender com o espectáculo altamente profissional de Anitta.
Musicalmente falando, gostei mais da performance da batida contagiante nos intervalos para mudança de roupa do que da própria Anitta (fui só eu a notar ou houve mesmo lip sync?...) mas tenho de reconhecer que foi diva, em bom, conquistando-me quando cantou o refrão da nossa Blaya. Ficou-lhe bem. Para além disso, trouxe ao RiR um espectáculo de alto nível, e uma mensagem de integração e diversidade. As bailarinas plus size entraram, rebolaram e dividiram as atenções em palco, provando que, apesar de ser altamente sexualizada, a música desta cantora tem algo mais, usando essa sexualização como um atractivo para nos fazer perceber que somos preconceituosos e que não aceitamos, verdadeiramente, a diversidade. Anitta tem pinta e tudo no sítio, sem ser uma Barbie plastificada, fazendo-se acompanhar de uma equipa maravilhosa de pessoas que nos representam a todos.
2 - 1.
Ganhou Anitta e o Rock in Rio porque, afinal, uma festarola com música pelo meio também pode colocar o dedo na ferida e mostrar que há mais na música do que simplesmente um rebolar. Só o preconceito número 3, do excesso de pseudo qualquer coisa se mantém, numa tentativa falhada de imitar o Coachella, com muitas raparigas produzidas ao estilo boho chicmas sem o chic que o deserto da Califórnia, apesar do pó, consegue ter. Coachella é conhecido pelo seu cartaz e, paralelamente, o glamour das superstars que desfilam, inspirando o comum dos mortais a um outfit mais elaborado, alternativo e, sobretudo, inventivo, já conhecido nos sites de redes sociais como #coachellastyle. O nosso estilo é giro mas não chega aos calcanhares de Coachella porque somos naturalmente tímidos e reservados, com looks pouco arrojados, mesmo quando pegamos nas trends que têm passado por todas as redes sociais e que também não ficaram de fora do Rock in Rio: o brezzy white dress fica sempre bem, especialmente para quem se limita à zona VIP porque, fora dela, o white misturado com a poeira não resulta. Gosto dos calções com botins e não consigo entender as sandálias com tiras, especialmente as que deixam os dedos todos - mesmo todos - de fora. No final da festa aquilo só pode ser um misto de sujidade e pisadelas. Caso para dizer #sonotcool. Também vi umas misturas entre as trends de verão e o que sobrou do inverno, com muito preto, redes e os smocked tops, em alguns casos combinados com os calções de ganga de cintura subida. Das #momjeans aos #momshorts só passou um verão que intercalou o RiR. No final do dia a variedade de pessoas é tão grande que as giraças a fazerem-se à foto para o Instagram destoam entre a multidão que foi para um show de poderosas que, por sua vez, deitou por terra qualquer ideia (errada) que eu ainda pudesse ter sobre o impacto que uma (muito) boa ideia pode ter. E Anitta, melhor do que ninguém, sabe conjugar as tendências sociais com velhas técnicas de marketing, embrulhando-as com um jogo de cintura que produz um espectáculo que a catapultou para o estrelato internacional. Chapeau!
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