A TVI apresentou uma reportagem cuja premissa assenta na existência de que há “abusadores sexuais de menores, condenados, a trabalhar nas escolas portuguesas”, especificando dois exemplos concretos, entre os quais o caso de um professor que consta “na lista nacional de abusadores sexuais de menores e que dá aulas numa escola em Anadia.”
Penso que não é necessário referir a gravidade que é ter um condenado por crimes sexuais contra menores continuar a exercer uma profissão na qual lida diariamente com crianças. É uma falha na segurança destas crianças e dos seus direitos que não pode ser tolerada e que tem de ser resolvida. No entanto, acredito que esta situação em concreto possa ser resolvida com o cumprimento da apresentação do registo criminal, antes da contratação dos professores, tal como está previsto na lei desde 2009 e que foi criada segundo as recomendações da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças.
Face a estes casos, é importante para mim referir um conjunto de aspetos. Para a vítima, saber que os abusadores continuam livres de manter contacto com outras crianças é uma segunda forma de violência. Tal como diz uma das vítimas, entrevistada na reportagem, é uma desvalorização da sua história de abuso e contribui, ainda, para o silenciamento de outras vítimas e para que estas não procurem apoio. É um reforço do sentimento de impunidade para os abusadores e uma agressão continuada para as vítimas.
Um outro aspeto que gostaria de salientar é que certos abusadores não escolhem estas profissões por acaso, enveredando por cargos nos quais possam ter contacto com crianças. Não estamos a falar só de professores, falamos também de animadores, educadores, escuteiros, padres, treinadores. Não é uma escolha por acaso e é importante ter isso em conta.
Quando debatemos abusos sexuais de crianças, por vezes corro o risco de ser visto como alarmista, mas a verdade é que a desinformação sobre estes crimes alimenta um contexto que deixa as crianças desprotegidas. A realidade é que, segundo o Conselho da Europa, 1 em cada 5 crianças é vítima de alguma forma de violência sexual e, ao contrário do que muitas pessoas possam acreditar, os abusadores não são desconhecidos. Em 70% a 85% dos casos, o abusador conhece e mantém uma relação de confiança com as crianças. É esta a realidade.
Nos casos de homens que foram vítimas de violência sexual, e que acompanhamos na Quebrar o Silêncio, também é esta a nossa experiência. Em mais de 95% dos casos dos homens que foram abusados sexualmente na infância o abusador era alguém conhecido: familiares, professores, padres, treinadores de futebol ou tinham profissões com responsabilidade sobre crianças.
A violência sexual contra crianças é uma endemia que afeta a nossa sociedade. É fundamental que haja, cada vez mais, um debate sobre este crime que pode ter consequências devastadoras na vida destas crianças. Não é no sentido de alarmar e de fomentar o caos, mas no sentido de informar para prevenir. Porque se os abusadores se aproveitam da desinformação, a informação correta e rigorosa servirá para promover a prevenção.
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