O MiT – Massachusetts Institute of Technology está a anunciar a realização de uma formação pós-graduada à distância sobre Innovation Leadership. Até aqui, nada de surpreendente, tratando-se de uma das mais prestigiadas Instituições de Ensino Superior e Investigação do mundo. A grande novidade é que essa formação vai ser lecionada em língua portuguesa, e que vai custar pouco mais de 1000,00 euros. Não é com grande satisfação nem porque tenha qualquer proveito pessoal que faço esta publicidade gratuita a tal oferta formativa. Muito pelo contrário. É apenas porque ela representa parte dos desafios que a formação, principalmente a formação universitária e pós-graduada, vai enfrentar em todo o mundo nos próximos anos.
Como em quase tudo o resto, os acontecimentos dos últimos meses de confinamento e a consequente migração de muitos de nós para uma vida mais virtual, terá consequências imediatas. Mais rápidas do que possamos imaginar. Não que exista nada de tecnologicamente muito novo, mas porque as experiências da formação à distância e do teletrabalho num período temporal prolongado, estão a criar hábitos e preferências novas e a reforçar a entrada num verdadeiro “mundo novo” para muitos, nos domínios da formação e do ensino.
Também não é nada que não tenha estado no radar das instituições de ensino superior em Portugal e um pouco por todo o mundo, esta possibilidade de, tal como em muitos outros setores de atividade, também no setor do ensino superior e da formação pós-graduada a competição global vir a chegar mais tarde ou mais cedo.
A qualquer momento uma Universidade de Harvard ou um MIT, ou outras congéneres em outras áreas de formação, instituições de grande prestígio global, iriam tornar-se multinacionais com oferta em todos os cantos do globo. Contudo, muitos pensaram que tal se daria com uma série de aquisições de escolas “locais”, levando a uma globalização pelos cânones materiais seguidos no século XX por empresas de outros setores.
Outros viam na barreira linguística uma arma contra esta presunção de hegemonia global, algo que esta iniciativa do MIT deita completamente por terra. Outros ainda, acreditavam que os povos europeus e os povos latinos não tinham esta apetência pelo ensino à distância que já há vários anos se expande nos EUA e em outros pontos do globo. Nada menos atual.
Pois bem, a experiência durante o confinamento provocado pelo SARS-COV-2 (COVID19) e a resposta imediata de migrar o ensino superior e a formação pós-graduada para “ensino à distância” eliminou quase todas essas barreiras. Mais ainda, os hábitos criados nos consumidores deste tipo de formação e o reconhecimento hoje da comodidade e flexibilidade do ensino à distância, designadamente do chamado ensino síncrono, veio mostrar que tanto faz em termos de custos em ser aluno de uma universidade europeia ou portuguesa, ou de uma qualquer universidade de grande prestígio internacional.
De hoje em diante, muitos interrogar-se-ão porque devem apostar na formação numa universidade regional ou local no seu país ao invés de, pelo mesmo ou menor custo financeiro, e pelo mesmo ou menor custo de tempo e de comodidade e conforto pessoal (i.e., poder assistir a sessões e aulas no conforto do seu lar ou de onde quiser e, eventualmente, à hora que entender), quando o poderão fazer numa Instituição de ensino global de enorme prestígio internacional. Mais uma vez, nada de novo. Já quase tudo isto existia. Mas a atual experimentação desta realidade transformou a abertura de todos nós a estas novas possibilidades. Quem fará um curso de gestão avançada numa universidade portuguesa, se o pode fazer por um custo menor no MIT ou em Harvard?
Não vale a pena enterrar a cabeça na areia e fingir que esta nova realidade não existe. E também não me parece que a solução chinesa esteja na mente dos europeus, isto é, barrar a internet aos seus cidadãos a tudo o que venha do exterior. Simplesmente não parece existir forma de evitar este desafio. Ele está aí, o queiramos ou não admitir, mesmo que a “D. Inércia” nos permita ganhar algum tempo.
Mais tarde ou mais cedo, e tal como aconteceu em outros setores de atividade económica, também no ensino superior e na formação pós-graduada vamos assistir a uma “Uberização” do mercado. Grandes e prestigiados gigantes globais vão disponibilizar formação competitiva em todas a geografias, em muitas línguas (o português seguramente, sendo uma das mais faladas no mundo), e a preços altamente competitivos. Estas multinacionais vão recrutar formadores e docentes de todo o mundo, falantes de varias línguas, e pagar-lhes-ão como a Uber paga aos seus prestadores de serviços. Pode parecer exagero (e era em parte bom que o fosse e ainda melhor que seja mesmo), mas afigura-se uma realidade que se vai impor, mais tarde ou mais cedo, com todos os benefícios e aspetos negativos que a Uber trouxe em todo o mundo no setor da mobilidade.
É certo que tal não terá a mesma repercussão em todos os domínios do ensino e da formação, ainda que progressivamente com o avanço tecnológico ninguém escapará (nem mesmo a formação que exige prática manual, como a medicina e outros). Também é provável que as universidades locais continuem a existir, tal como (ainda) não desapareceram os táxis das nossas cidades. Mas nada será igual.
Então, o que fazer? Resignarmo-nos com a situação e dar a batalha como perdida? Julgo que não, ainda que a reflexão sobre este tema seja necessariamente ainda precoce e incipiente. Se a língua deixou de ser um diferenciador e o ensino presencial se tornou uma desvantagem devido à experiência muito positiva do ensino à distância (ainda que forçosamente imposto pelo confinamento), o que podemos fazer?
No imediato, só se me ocorre que temos de aceitar a competição futura num mundo global. Mais uma vez, nada que não tivesse de acontecer mais tarde ou mais cedo. Vamos ter de saber viver no futuro com esta nova realidade e habituar-nos à necessidade de competir pela qualidade com estes fornecedores globais de formação de prestígio. Esta nova realidade vai desde logo diferenciar as instituições de ensino e formação que são “produtores de conhecimento/investigação científica” dos meros “papagaios” do conhecimento produzido por outros, que terão os dias contados. Eventualmente, assistiremos a uma segmentação do mercado global por nichos de conhecimento, tal como já acontece por exemplo nos EUA. Mas uma coisa parece certa: é pelo prestígio que advém da produção de conhecimento e investigação científica que, a nível global, se estabelecerão os players da formação graduada e pós-graduada do futuro. Tal deve constituir um fator de entusiasmo e ação, mais do que de medo e paralisia.
Afinal, a palavra crise tanto pode significar algo de negativo como de oportunidade, e em Portugal temos seguramente instituições que estarão preparadas para vencer neste desafiante “novo normal” do ensino superior e pós-graduado.
Professor Associado com Agregação e Coordenador da Unidade de Coordenação de Gestão e Políticas de Recursos Humanos do ISCSP-ULisboa | Presidente do Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa
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