Todos os verões aparecem reportagens de pessoas que nunca viram o mar. Para eles, deixo aqui uma descrição de uma ida à praia para verem o que estão a perder. Ontem, acordei cedo para ir à praia. Levantei-me, vesti uns calções e uma t-shirt, tomei um pequeno-almoço leve para poder ir logo à água porque sou paranóico com a digestão. Não tomei banho em casa porque tomar banho para ir para o mar é gastar recursos desnecessariamente. Em menos de dez minutos estava pronto. Depois, esperei uma hora enquanto a minha namorada experimentava duzentos biquínis e me perguntava qual ficava melhor e me indagava se não a faziam parecer mais gorda. Desde o primeiro que disse o mesmo: “Não, esse fica bem, vamos embora”, mas ela precisou da minha opinião sobre todos para, no fim, se decidir pelo que havia experimentado primeiro. Normal.

Acabámos, assim, por não sair de casa cedo e, por isso, o trânsito para a ponte já estava a formar fila com alguns quilómetros. Ali ficámos, no pára-arranca, precisando de trinta minutos para fazer oitocentos metros. Acidente na ponte, mais meia hora para fazer outros tantos. Chegámos à praia, passado mais de uma hora, e ainda precisávamos de mais vinte minutos para estacionar no único sítio que encontrámos, já longe da praia e, por isso, mais 15 minutos a pé até chegar ao areal. Pousámos as toalhas entre outras pessoas, não sendo quase possível respeitar a distância mínima de segurança e percebemos que devíamos ter trazido o chapéu-de-sol pois, com tanta demora, acabámos por chegar à praia ao meio-dia, hora pouco aconselhável para bronzear. Pelos vistos, podia ter comido uma feijoada ao pequeno-almoço que daria mais do que tempo para fazer a digestão até chegar à praia. Vou directo à água, está gelada. Mergulhei depois de muito custo e de me ir molhando gradualmente como fazem as mães, pegando numa mão com água e passando-a pelos braços. Após a água chegar ao umbigo torna-se mais fácil para os homens porque o pior já passou, se é que me entendem. Voltei para a toalha quando já me doíam os pés do frio, o que aconteceu passados dois minutos de estar dentro de água.

“Está muito calor, é melhor irmos ao bar”, pensámos. Fomos, paguei uma garrafa de água a preço de whisky velho e uma tosta a preço de leitão com trufas em talha dourada. Voltámos para as toalhas, mais um mergulho rápido e de volta para a areia. Meti protector solar para logo ser enchido de areia por duas crianças que passaram a correr ao lado da minha toalha, ficando transformado numa espécie de panado com nervos. À minha esquerda, estava uma família com crianças a guinchar por tudo e por nada, e com a mãe a refilar com o marido que a culpa era dele, enquanto ele vislumbrava os decotes e fios dentais das raparigas à minha direita que faziam parte de um grupo de mitras com a sua coluna a dar música de merda e que nos presenteavam com o aroma de ganza acabada de fumar. Eles tinham tatuagens tribais nos braços, elas no fundo das costas, ambas pareciam ter sido oferecidas pelo Bollycao. Em frente, duas raparigas tiravam fotografias aos pés e selfies de rajada e retocavam a maquilhagem enquanto besuntavam óleo no corpo.

Passado algumas horas neste cenário idílico, fomos embora e como o carro estava longe da praia não tivemos de perder meia hora a sair do parque, valeu-nos isso, mas perdemos o dobro no trânsito de volta para casa. Ao tomar banho percebi que tinha um escaldão. Só espero que passe rápido para voltar a ir à praia e passar por tudo isto outra vez.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Leitura: Qualquer livro do top de uma livraria para levaram para a praia e parecerem cultos.

Música: Conan Osíris. Muito bom ou disparate? Ainda não me decidi.

Comida: Restaurante mexicano Izcalli Antojeria em Lisboa.