Comecemos então. As pessoas sintonizaram a televisão num canal português para ver os Óscares e quem lá está? Exato. Celebridades portuguesas que uma vez fizeram escala em Los Angeles International, mas que falam com toda a familiaridade sobre a dinâmica do star system de Hollywood. Corta para, passadeira vermelha. Uma repórter portuguesa está no campo, tentando entrevistar quem? Portugueses que ganharam um concurso para se deslocarem 10.000 quilómetros a fim de ver a entrada de atores e atrizes num pavilhão grande. De seguida, as celebridades a sério vão entrando e – atenção que isto pode ser inesperado – umas estão melhor vestidas do que outras. Chocante! Este facto é verificado por milhares de portugueses, que twittam sofregamente de pijama as suas acutilantes opiniões sobre design de moda.

Dá-se início à cerimónia e aparece um apresentador. Como é habitual, o público e os especialistas em entretenimento terão posto em causa a priori as suas capacidades e carisma para apresentar uma cerimónia desta envergadura. “Será impossível ser melhor do que x, mas ainda mais difícil ser pior do que y”. A questão é que quem costuma apresentar os Óscares é sempre um profissional da área e não uma pessoa escolhida aleatoriamente entre os cidadãos, logo há pouca probabilidade de fazer asneira da grossa. Interessante seria que dessem a responsabilidade a um contabilista tímido, a uma professora de Religião e Moral gaga ou quiçá a Konstantinos Mitroglou. Mas não, o apresentador terá sido como sempre são os apresentadores destes eventos: teve graça porque é impossível que não tenha, tendo em conta a quantidade de gente envolvida na escrita do guião; foi naturalmente criticado pela utilização de uma piada de humor negro e gozou com Trump porque a lei federal assim obriga.

A cerimónia vai-se desenrolando, tendo lugar, como o leitor deve saber, uma entrega de prémios. Alguns destes galardões foram previstos pelos comentadores de cinema portugueses, o que lhes terá insuflado o ego; e outros fugiram às suas previsões, o que os terá deixado indignados com o sistema. Terá também acontecido um momento insólito, que dará origens a teorias da conspiração sobre se terá sido planeado ou não, e será amplificado o ano inteiro por aquele tipo de publicações jovens e millennial que fazem artigos a criticar a objetificação sexual, a menos que o objeto seja o rabo de Justin Trudeau.

E pronto, foi assim que terá decorrido o evento a que eu não assisti. O fear of missing out (medo de ficar de fora) em relação à cerimónia dos Óscares é tão grande que até pessoas que desejam ignorá-la, como eu, se sentem obrigadas a escrever sobre ela, bem como leitores céticos como você abrem artigos como este que prefeririam desconsiderar. Para o ano há mais deste mundo dividido: pessoas a dormir pouco para assistir aos Óscares e pessoas que dormem bem para poderem criticar os primeiros. Enfim, nem tanto ao Mar nem tanto à Terra. Ou melhor, nem tanto ao Manchester By The Sea, nem tanto ao La La Land.

Recomendações:

A última temporada de Sherlock.

A primeira tour internacional de Ricky Gervais em sete anos vai andar pela Europa. Já tenho os meus bilhetes, vocês não e isso é mau.

Fingir que ainda se tem paciência para o Carnaval.