Parece que o euromilhões tem este prémio exorbitante, pronto para fazer qualquer de nós uma pessoa incapaz de decidir onde gastar o dinheiro. Conheço pessoas que têm dinheiro, muito dinheiro. Viajam, fazem coisas quando e como querem, não se preocupam com liquidações de empréstimos, com juros, com aflições familiares que se podem resolver mediante o vil metal. Não sei se serão mais felizes do que eu, mas isso agora não interessa nada. O que interessa é a pergunta que, acredito eu, foi milhões de vezes repetida por este mundo fora: se ganhasse o euromilhões que fazias tu?
Eu constituía uma fundação e ia ajudar jovens com dificuldades. Antes disso, porque uma fundação é uma trabalheira para se constituir legalmente, ia comprar um par de sapatos e passava na sucursal do banco e pagava o empréstimo da casa. Ia procurar um palacete, ah, sentir-me-ia tão próxima da Madonna, em Lisboa e encantar-me-ia com as pérolas escondidas que a cidade ainda tem. Distribuía dinheiro por A e por B e ainda por C e D, E, F e G e fugiria a sete de pés de N, M, R, S, T.
Todos os anos que fiz de terapia não me serviriam de muito se tivesse de questionar se as pessoas gostam de mim por mim ou por dinheiro, mas também não me parece um tópico relevante. Fiz a pergunta, a pergunta que estimula a imaginação de tantos, e as respostas que obtive são as seguintes: "ia dar a volta ao mundo", "dava dinheiro para a investigação para combater o cancro", "comprava um grande carro" (e depois?! O que fazias com o resto da grana?), "criava uma escola de artes como deve ser", "contratava um gestor de fortunas". Esta última resposta, pragmática e fria, é a mais inteligente porque não invalida as restantes opções e talvez um gestor fosse mais hábil a gerir o guito. Poucas pessoas - na verdade apenas duas - disseram que dariam dinheiro à família e amigos. Tive direito a esta imagem: "a minha família? cambada de sovinas, se eles ganhassem não me davam nada". E pronto, no deve e haver, com uma pergunta singela e irreal, nenhum de nós irá ganhar o euromilhões, as probabilidades são ínfimas, ficamos a saber quem é quem, como vê o mundo, e que família disfuncional lhe calhou em sorte. Até parece que viver sem 130 milhões pode ser mais simples? Pois, ironias.
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