E de facto o debate foi uma espécie de reescrita do que já tinha sido dito anteriormente, com algumas actualizações de forma. As duas estratégias mantêm-se: Trump ataca Hillary pelo que aconteceu durante a presidência do marido, Bill, e por toda a gestão democrata; e Hillary ataca Trump por ser como é.
Quanto à estratégia do milionário, desta vez foi ao ponto de fazer uma conferência de imprensa, horas antes do debate, com a presença de quatro mulheres que afirmam ter sido sexualmente abordadas por Bill Clinton: Juanita Broaddrick, Paula Jones, Kathleen Willey e Kathy Shelton. Podia-se argumentar sobre as provas e conclusões destes casos, mas a questão não é essa; a questão é se a idoneidade de Hillary pode ser posta em causa, mesmo indirectamente, por supostas infidelidades do marido.
Mas o momento mais significativo dos ataques de Trump foi quando afirmou: “Se eu fosse Presidente, Hillary Clinton estaria na cadeia.” Isto nunca foi dito num debate presidencial num país democrático. Talvez pudesse fazer parte do debate presidencial num país autocrático e ditatorial, se nesses países houvesse debates. Não é preciso mais nenhuma prova de que o Donald não tem condições para ser Presidente dos Estados Unidos. Vários comentadores chamaram a atenção para este momento em particular.
Adiante. Hillary de facto não precisou de se esforçar muito. Por exemplo, o caso do casal Khan, os pais do herói de guerra que foram ridicularizados por Trump por serem muçulmanos. A resposta de Trump a esta acusação: “Se eu fosse Presidente, o jovem Khan não teria morrido, porque não teria havido guerra do Afeganistão.” Ora, isto não é propriamente uma resposta e muito menos um pedido de desculpa. Por um lado, Trump foi a favor da invasão do Afeganistão (embora agora o negue, contrariando gravações); por outro não poderia, evidentemente, garantir que um soldado não morresse em combate, em nenhuma circunstância.
Um outro aspecto em que Hillary se focou foi o estranho facto do Presidente Putin, o arqui-inimigo da América neste momento estratégico, ser um apoiante declarado e oculto de Donald Trump. Declarado porque elogiou Trump publicamente, oculto porque os seus serviços espionaram a campanha de Hillary. E tanto o milionário como dois dos seus assessores tiveram contactos comerciais intensos com os russos.
Ao nível da política nacional e internacional, que na verdade é o que mais deveria interessar num debate, as posições de ambos os lados são conhecidas: os republicanos continuam a achar que diminuir os impostos dos ricos ajuda a criar emprego, os democratas são a favor de aliviar a carga fiscal dos menos ricos para melhorar o seu nível de vida. Os republicanos são a favor de uma política externa mais musculada, os democratas acham que podem negociar com toda a gente; e nenhum dos dois está disposto a mexer nas problemáticas alianças com a Arábia Saudita ou Israel.
Em termos do nosso vocabulário político (europeu e português) os republicanos estão mais à direita e os democratas mais à esquerda, embora o espectro político norte-americano tenha um desvio à direita distinto do europeu, ou seja, a posição mais à esquerda, que é, digamos, a de Barack Obama, corresponde ao nosso centro direita.
No caso particular de Trump, como ficou mais uma vez demonstrado, além da postura geral de direita ainda há a sua postura de homem de negócios. Ou seja, os problemas políticos devem ser abordados numa lógica empresarial.
A um nível mais profundo, e certamente mais importante do diz-não-diz dum debate, é qual destas duas pessoas tem capacidade para ser o decisor mais importante do mundo. Hilary tem experiência – e certamente que não é culpada pelos anos de governação do marido, em especial, e dos democratas, em geral – mas também tem os vícios da governação de que toda a gente está farta. Hillary representa o establishment que está disposto a todos os compromissos e nada resolve. Não tem uma solução nova para a crise económica, para derrotar o ISIS, para resolver os problemas humanitários.
Por outro lado, Donald não tem experiência nenhuma e as suas propostas andam entre o muito vago e o terrivelmente assustador. O perigo não é que Donald Presidente dê uma palmada no rabo da Rainha Isabel ou faça uma proposta ordinária a Marine le Pen. O perigo é que Donald Presidente ande em noitadas com Vladimir Putin, aliene os amigos e faça negócios com os inimigos, enriqueça na presidência, incentive a violência racial e, em geral, torne o mundo pior. O grande argumento para as suas enormes propostas – “o que é que temos a perder? Pior não pode ficar” – não só não convence, como assusta, e muito.
Mas o mais assustador é que as sondagens coloquem Trump e Hillary quase empatados. Há cerca de 42% dos americanos que acham que pior não pode ficar. Este debate não pode ter mudado muito as percentagens.
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