Há uma versão do Robin Hood em que um genial Alan Rickman abre uma porta e grita: “E cancelem o Natal!”. O consumismo associado à época, que dizem ser de harmonia e de paz, mas que também me convoca uma certa hipocrisia, parece-me cada vez mais excessivo e desajustado. Algures, em 2020, houve quem acreditasse que a Humanidade aprenderia muito com a pandemia e que os valores prioritários ficariam mais visíveis. Não aconteceu. 

Ou talvez tenha acontecido momentaneamente, depois a coisa perdeu-se. A dias do Natal, passo pela comunidade dos sem-abrigo, que pernoitam na estrutura da Gare do Oriente, abrigados do frio, e penso que não estamos nada bem enquanto sociedade. Escolhemos não ver os males à nossa volta e eu confesso, desde já, que faço o mesmo exercício com regularidade, porque olhos que não vêem, coração que não sofre e há um certo comodismo e uma protecção que nos podemos impor, para só ver as luzes de Natal. 

Nesse mesmo dia, por mero acaso e com um intuito muito específico, fui a um centro comercial e ouvi esta conversa: Então, com o ordenado mínimo como é que consegues comprar essas prendas todas? A pessoa respondeu: Passei meses a poupar aqui e ali. Sem Natal é que os meus filhos não ficam. Como tenho o azar, a imensa sorte, de ser uma pessoa que se comove com uma facilidade medonha, claro que me comovi. Portugal não é um país que esteja a viver um período feliz. A maioria dos portugueses não ganha o suficiente. Os mais jovens andam com a desesperança no peito, tiram licenciaturas e mestrado e não têm empregos nas suas áreas de escolha. Conheço dois que estão a dobrar roupa numa loja da moda. Não saem de casa dos pais como gostariam. Dizem as estatísticas que os portugueses estão a abandonar o ninho paterno por volta dos 28 anos de idade, o que é manifestamente tarde. Não estamos bem em vários sectores. Da Justiça à Cultura, da Saúde à Educação, se formos realistas, deixamos muito a desejar. Talvez por isso nos enganemos no Natal: sentamo-nos à mesa com alegria, partilhamos as tradições e celebramos o melhor de nós: o amor para resistir a tudo isto. Só mesmo o amor é que nos safa.