Para quem não sabe, nunca leu ou já não se recorda, aqui ficam pontos que interessa mesmo ter em conta:

PARTE I - Direitos e deveres fundamentais
TÍTULO II - Direitos, liberdades e garantias
CAPÍTULO I - Direitos, liberdades e garantias pessoais
Artigo 46.º - (Liberdade de associação)
1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.
4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.

Estamos esclarecidos, certo? Achamos bem e aplaudimos, com toda a certeza? Ainda bem.

Ora, na última semana assistimos à condenação do Bloco de Esquerda face uma putativa visita de Estado do presidente eleito Jair Bolsonaro. Creio que estamos todos vigilantes no que diz respeito ao Brasil e podemos até emitir opiniões indignadas e receosas face ao descalabro do que acontece hoje no país-irmão. E ainda bem que estamos atentos, mas convém também estar a par do que se passa em território nacional.

Aqui em casa, no nosso país à beira mar plantado, na bonomia dos costumes, promove-se um encontro fascista – não há outra designação, parece-me – para dia 10 de Agosto e o cartaz do dito cujo evento exibe uns rostos, mais ou menos conhecidos, e o nosso Padrão das Descobertas que, infelizmente, ali surge infeliz e prejudicado na sua dignidade e mensagem. Alguém disse alguma coisa sobre isto? O Governo? O Presidente omnipresente e beijoqueiro? Não ouvi nada.

No dia três de Agosto, surgiu uma petição pública que, quando aterrou no meu email, tinha mil e 800 assinaturas. Ok, vamos lá divulgar a petição para impedir a realização de uma reunião internacional de organização de extrema-direita? Foi o que fiz. Ao mesmo tempo, fui perguntando: já ouviram falar deste evento? Pouquíssimas pessoas ouviram falar disto, conclui. No Facebook encontrei post sucessivos do professor e musicólogo Rui Vieira Nery (daqui lhe tiro o chapéu!) a chamar a atenção para esta reunião, para o silêncio das autoridades. Alguns comentários que lhe fizeram são, no mínimo, de arrepiar.

Escrevo-vos no dia 3, sábado, portanto na quarta-feira, quando esta crónica for publicada, tenho esperança de que a petição tenha milhares de assinaturas e que o país e as forças políticas se mobilizem para evitar esta vergonha, que o evento seja do conhecimento de todos e que Portugal grite a plenos pulmões: fascistas, não!.

Não basta uma manifestação no dia 10, presencial, contra a tal reunião, o que se pretende é que não se realize tal coisa, esta reunião internacional pejada de gente que, no meu caso, veria o meu marido com maus olhos só porque não ser um esmerado caucasiano. Não basta dizer: ah, sim, que horror, são fascistas. Ou então a versão irritante do vamos ignorar que só querem palco.

Esta reunião internacional de extrema-direita tem como cabeça de cartaz portuguesa um tal de Mário Machado cujo perfil podem ir espreitar na Wikipedia (sim, sim, a criatura tem um perfil na Wikipedia) para comprovarem que estamos perante um indivíduo que em nome do nacionalismo é a favor da discriminação racial, já foi acusado de posse de armas legais, de difamação, de sequestro, de coação agravada, de posse ilegal de armas, de ofensa de integridade física qualificada, etc, etc, etc. Este é o homem que foi ao programa de Manuel Luís Goucha na TVI dizer que muitos portugueses gostariam de voltar ao regime de Salazar. E, na sequência disto, um inquérito no Facebook dava o triste resultado: 33% da malta consultada concordava com Mário Machado. Ele será o anfitrião do evento de dia 10 de Agosto e só convidou amiguinhos que se ajustam ao seu perfil, com condenações judiciais, com discursos inflamados contra os judeus, por exemplo, e com a ousadia de manter a ideia de que o maior estadista de sempre foi Hitler.

Associações como Blood and Honour, Nova Ordem Social ou Hammerskin são vigiadas pelas forças de segurança, nomeadamente pela Interpol, e mantêm um discurso de ódio contínuo, sem qualquer pudor. Não, não se trata de liberdade de expressão, trata-se de fascismo, de neo nazis, de pessoas que se reúnem para falar sobre a superioridade ariana, que são violentas e déspotas. Pessoas para quem o Holocausto foi uma coisa boa.

Um dos convidados é Yvan Benedetti, expulso do Font National por extremismo (dá vontade de berrar WTF?), condenado pelo governo francês por organizar actividades proibidas por Lei. O seu mote? A grande "conspiração do judaismo internacional". Qual Goebls, qual Hitler. Em pleno século XXI.

Mas não está sozinho, teremos ainda – espero que não tenhamos! – direito a ouvir Matthias Deyda, dirigente do partido neo nazi alemão Die Rechte. As palavras de ordem "Jüden raus" ("fora com os judeus") são um dos seus hobbies. E também o búlgaro Blagovest Asenov, dirigente do partido neonazi Resistência Nacional, que acha que os "os judeus fizeram muito mal à Humanidade", e que são "os maiores apoiantes do deboche e do mal" e "a ponta da arma de Satanás contra a humanidade e contra o povo cristão".

Estamos esclarecidos? No dia 10 de Agosto, caso esta reunião aconteça sem grande alarido e sem intervenção das autoridades, estamos mal, Portugal, estamos do lado errado da História e podemos encher a boca com comentários sobre outros ditadores e outros países, mas não teremos perdão.