O que sabiam os portugueses sobre as principais medidas do chamado “Memorando de Entendimento” com a Troika, que condicionou as principais opções governativas durante grande parte da legislatura que agora termina?
O que pensavam sobre essas medidas, e como evoluiu essa opinião? Como mudou, mês a mês, ao longo dos últimos quatro anos, a sua percepção sobre o estado da economia? O que sabiam os portugueses sobre os dados do crescimento económico, da evolução do desemprego, das exportações, da desigualdade ou da pobreza? De onde e como lhes chegou essa informação? Que importância lhe deram? Que responsabilidades foram atribuindo ao governo presente, a governos anteriores ou a outros actores? O que se pensava em Portugal sobre as principais medidas orçamentais que foram escrutinadas pelo Tribunal Constitucional? Que opiniões tiveram os eleitores, nos últimos quatro anos, sobre a actuação do governo nos domínios da saúde, da educação, da política económica, da justiça, da política externa ou da ciência? E sobre as alternativas apresentadas pelos partidos da oposição? Que sabem sobre a situação da segurança social e sobre possíveis opções para a sua reforma? Que partidos julgam melhor representar as suas preferências e valores? E mais importante: como é que tudo isto foi variando por idade, instrução, rendimento, orientação ideológica ou simpatia partidária, por exemplo?

Ao longo dos últimos quatro anos, teria sido importante saber as respostas a estas e muitas outras questões semelhantes. A aproximação das eleições torna-as ainda mais importantes. Quando chegarmos a 4 de Outubro, será muito difícil explicar os resultados eleitorais sem saber a resposta a muitas delas. Vaticino que a maioria dirá que os resultados eram afinal previsíveis, procedendo de seguida à explicação segura e conhecedora dessa completa previsibilidade. Mas essas explicações seriam mais sólidas se tivéssemos tido, ao longo destes quatro anos, a possibilidade de acompanhar a opinião pública portuguesa de forma mais profunda e sistemática do que realmente tivemos.

Não foi por causa de uma qualquer impossibilidade técnica ou metodológica que ficámos privados dessa informação. Quem quiser saber como os americanos vêm avaliando de forma diferenciada a actuação do Presidente Obama nos domínios da saúde, da economia, ou da política externa, por exemplo, poderá clicar nos links anteriores. Poderá aí saber a posição dos americanos sobre alguns dos principais temas políticos do dia, tais como o controlo da venda de armas, a imigração, as relações raciais ou a desigualdade de rendimentos. Terá uma visão não apenas do que pensa a população em geral, mas também de como todos estes assuntos a dividem, ao longo do tempo, por grupos definidos pela idade, o rendimento, a educação, o local onde vivem, a etnia, a ideologia e a simpatia partidária. Poderá apreciar
a distância entre os dados da economia “objectiva” e a maneira como é apercebida pelos cidadãos e vivida pelas famílias. Poderá saber onde os indivíduos recolhem a informação que usam para avaliar os políticos, como escolhem essas fontes e como elas, por sua vez, reforçam ou modificam as suas predisposições. Obviamente, em todos estes e muitos outros possíveis exemplos, colocam-se dúvidas metodológicas, sobre diferentes maneiras de medir estas atitudes e comportamentos, a maneira de formular as questões ou a amostragem e seus critérios. Mas o ponto é que esta informação está disponível e resulta de “sondagens”.

E em Portugal? Aqui, à parte os inquéritos académicos ou o Eurobarómetro, sem dúvida relevantes mas realizados muito espaçadamente, as sondagens encomendadas e divulgadas pelos meios de comunicação social sofrem de uma quase permanente monomania em torno de intenções de voto e popularidade de líderes político-partidários.
É certo que há, ocasionalmente, excepções. Como aqui ou aqui, onde se colocaram questões sobre grandes opções de política fiscal. Ou aqui, aferindo-se desejáveis prioridades de actuação de um novo governo e decompondo as respostas por grupos de inquiridos. Contudo, este esforço é episódico, impedindo a detecção de mudanças ou continuidades ao longo do tempo. Está frequentemente colado, na maneira como as questões são colocadas, a notícias concretas e irrepetíveis (“A Ministra das Finanças afirma que temos os cofres cheios, concorda?”), não apontando para a detecção de preferências e atitudes relevantes ou estáveis. As variáveis que permitiriam desagregar as respostas por grupos, definidos por características sócio-demográficas ou políticas, estão muitas vezes ausentes dos questionários. E mesmo quando existem, essa decomposição é, na maior parte das vezes, ignorada pelos próprios órgãos de comunicação social que encomendaram a sondagem, seja porque preferem retratar um agregado cuja “opinião” é na verdade inexistente (“os portugueses”) ou porque não têm jornalistas capazes de decifrar as implicações desse tipo de análise. E em geral, as potencialidades do
online no arquivamento e visualização do histórico destes resultados e da sua análise mais fina, exemplificadas aqui ou aqui, são quase completamente ignoradas.

Porquê? A resposta mais fácil e óbvia, e não por isso menos verdadeira, tem a ver com recursos. Mercados pequenos e órgãos de comunicação social em crise geram, inevitavelmente, sondagens baratas e concentradas na supostamente fundamental “corrida de cavalos”.
Serão, logo, muito menos completas e interessantes – para já não dizer menos metodologicamente robustas – do que aquelas que os responsáveis técnicos dos centros poderiam fazer com outras condições. Redacções emagrecidas, com jornalistas assoberbados de trabalho e incapazes de se especializarem, resultam num tratamento superficial dos resultados, numa baixíssima utilização das possibilidades fabulosas que hoje existem de tratamento e apresentação dos dados e numa reduzida exigência em relação às empresas. Por outro lado, não temos um equivalente ao Centro de Investigaciones Sociológicas  espanhol nem ao Pew Center  americano, alternativas, respectivamente, estatal e non-profit aos media privados na encomenda de estudos de opinião. E poderíamos continuar por aqui.

Contudo, suspeito que os problemas de recursos se foram transformando num problema mais geral de mentalidade, que torna as coisas piores do que teriam de ser.
As sondagens e os seus resultados são, na comunicação social portuguesa, quase exclusivamente tratados como meros geradores de itens noticiosos entre muitos outros.
Essas “notícias” são por vezes inexistentes do ponto de vista factual (“subiu 0,3%”), mas isso não impede que criem “eventos políticos” que podem ser “analisados” nos painéis nocturnos dos canais de notícias 24 horas, para serem depois esquecidos passados dois ou três dias. Alimentados nesta dieta noticiosa em que as sondagens são utilizadas meramente como parte de uma horse race coverage , somos todos condicionados a colocar sempre o mesmo tipo de perguntas sobre as sondagens. Porque estão uns partidos ou candidatos à frente numas e outros noutras? A quem beneficiam estes resultados? Se beneficiam, foram manipuladas para esse fim? Acertaram? Se não “acertaram”, quem as manipulou para não acertarem? E por aí fora. Nem todas estas dúvidas são idiotas. Algumas são relevantes, apesar de serem colocadas quase sempre com intuitos políticos mais ou menos evidentes. E são todas filhas deste ambiente geral e, por isso mesmo, perfeitamente compreensíveis.

Contudo, devíamos também ser capazes de colocar outra pergunta. Apesar dos poucos recursos, terão mesmo de ser tão superficiais e desinteressantes as sondagens que se fazem em Portugal e, logo, tão superficial e desinteressante a cobertura que geram? Lidar com este problema é do interesse de todos. Se as sondagens servirem apenas para analisar a “corrida de cavalos”, o discurso estritamente politizado sobre elas acabará, mais tarde ou mais cedo, por se tornar absolutamente hegemónico: está demasiado em jogo. Mas se isso acontecer, aqueles que fazem as sondagens e aqueles que as analisam acabarão por ser vistos como parte desse jogo e, logo, descredibilizados como fontes de informação relevante.

É isto que importaria impedir. A “corrida de cavalos” fará sempre parte do interesse e do “picante” das sondagens, não tenhamos ilusões.

Mas nas sondagens que já se fazem em Portugal, há muitos outros dados e factos sobre o eleitorado e a opinião pública que não são suficientemente valorizados por quem as encomenda e, assim, permanecem ocultos para todos.
Não sendo susceptíveis de serem usados para ganho político imediato, são apesar disso muito relevantes. E como espero ter mostrado com os exemplos anteriores, há muitas coisas que não são perguntadas e analisadas que o poderiam ser, sem grandes custos acrescidos. Bastaria um pouco de imaginação, atenção e saber. Teríamos assim uma visão mais profunda do que pensam e querem os eleitores portugueses, daquilo que os une e os divide, e porquê. E uma visão mais profunda do que são as sondagens e para que servem. Se as sondagens podem fazer qualquer coisa de positivo pela democracia, será mais por aqui do que pela obsessão exclusiva com as intenções de voto ou com os termómetros de popularidade.

Pedro Magalhães é investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Director Científico da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Faz investigação da área do comportamento eleitoral e da opinião pública, e foi director do Centro de Sondagens e Estudos de Opinião da Universidade Católica até 2009. Autor do livro
Sondagens, Eleições e Opinião Pública .