No Brasil, cabe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar uma denúncia contra um Presidente da República. É necessário, para que isso ocorra, que a Câmara dos Deputados Federais aceite a denúncia e a encaminhe para o supremo tribunal do país. A primeira fase dentro da Câmara foi uma análise feita pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), formada por diversos deputados, quando a maioria rejeitou a denúncia.
A estratégia do governo para essa vitória foi substituir doze parlamentares que faziam parte da comissão, por suplentes que votariam a seu favor. Isso teve um preço. Diversos deputados de oposição denunciaram o grande número de emendas assinadas naqueles dias, a aprovar verbas para deputados que votariam com o governo. Era preciso que o plenário da casa aprovasse o parecer emitido pela CCJ com a decisão de rejeitar a abertura do processo, ou autorizasse o STF a levá-lo adiante. E foi aí que o caldo engrossou.
Para entender a denúncia
O Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, formalizou a denúncia apresentada pelo Ministério Público federal, a acusar o Presidente Michel Temer de ter cometido crime de corrupção passiva. Segundo a denúncia, entre os meses de março a abril de 2017, “com vontade livre e consciente, o Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer, recebeu para si, em razão de sua função, por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca de 500 mil reais (em torno de 140 mil euros) ofertada por Joesley Mendonça Batista, proprietário do Grupo J&F”.
E ainda, que Temer e Loures aceitaram “a promessa de vantagem indevida no montante de 38 milhões de reais, para defender os interesses desse grupo.
A denúncia explica, passo a passo, toda a sequência dos factos relacionados com o crime de corrupção, desde um encontro às escondidas do empresário Batista com Michel Temer - ocorrido à noite, sem estar assinalado nas agendas, em plena residência presidencial –, até à filmagem feita pela Polícia Federal que regista Rocha Loures a receber a mala com os 500 mil reais
Nesse encontro da madrugada, Batista estava a fazer uma gravação da conversa que travava com Temer, quando este indicara Rocha Loures como seu interlocutor nas transações ilícitas. Depois disso, Batista teria tido dois encontros com Loures em um dos quais explicou a necessidade de “resolver” uma disputa com a Petrobras no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE). Como pagamento pela ajuda, Batista ofereceu 5% do valor daquele contrato. Os trâmites seguintes dessa negociação, conforme consta na denúncia, ficariam a cargo de um executivo da empresa de Batista chamado Ricardo Saudi.
Saudi explicou que “pagaria entre 500 mil reais e um milhão de reais por semana, durante 38 semanas. Um total que poderia chegar ao patamar de 38 milhões de reais ao longo de aproximadamente nove meses”. Toda a negociação entre eles foi acompanhada pela Polícia Federal. Durante todo o tempo, diz a denúncia, “Loures deixou claro e verbalizou que atuava em nome do Presidente Michel Temer, com a ciência deste”. O desfecho desse acordo foi a mala entregue a Rocha Loures numa pizzaria em São Paulo, com os 500 mil reais, ação filmada e acompanhada pela Polícia Federal e Ministério Público, e que consumava o crime de corrupção.
Chegou-se ao Dia D
Os partidos tentaram ao longo desta quarta-feira entrar com mandado de segurança junto ao STF para que seja votada em plenário a “denúncia” contra Michel Temer e não o “parecer da CCJ”. Já o governo usa a mesma tática que lhe deu maior número na votação da CCJ, dos doze ministros de Estado que são deputados, dez pediram exoneração dos seus cargos para poder votar a favor de Temer, o mesmo acontece com secretários de Estados, também deputados, que hoje estarão de volta a Brasília para integrar o pelotão de choque de Michel Temer.
A bancada ruralista, por exemplo, aqueles deputados que defendem o agronegócio, conseguiu algo que almejava há muito: um refinanciamento de dívidas com a Previdência Social – aquela que eles próprios alegam que está falida. Essa medida fará com que o Estado renuncie 5,4 mil milhões de reais em dívidas fiscais.
O presidente estava certo da vitória e ganhou. Um jantar de comemoração já estava a ser preparado desde cedo. Os deputados de oposição, como último recurso, tentaram esticar o tempo da votação final, a aguardar para que se chegasse ao chamado “horário nobre”, mais à noite, quando sobem as audiências televisivas. Mas não alterou o rumo dos acontecimentos. Mesmo com denúncia, filmagem de malas com dinheiro, gravações de conversas, os deputados acataram o parecer da CCJ e não deram sequência ao processo contra Temer e a cada pronúncia de voto afirmaram votar “pelas reformas e pelo futuro do Brasil”.
Não foi assim há tanto tempo que os mesmos deputados aquando da votação que aprovaria a abertura do inquérito contra Dilma usaram o microfone para defender a sua opção com frases como: “Pela moralidade”, “Pelo fim da corrupção”, “Por um país digno”, “Contra os bandidos instalados no governo”.
Nada foi provado até agora contra Dilma, ela está fora. Há uma mala de provas contra Temer, mas ele continua. No Brasil é assim, dois pesos e duas medidas. Ou, quem paga mais, chora menos.
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