Nunca gostei de sopa de grão. Aliás, nunca gostei de grão, tem um sabor e uma textura que o meu delicado palato nunca aprendeu a apreciar. A minha mãe sempre me tentou impingir grão, não sei porquê, já que sempre gostei de feijão e nutricionalmente é bem melhor e mais fácil de cozinhar. Deve ser porque o grão é algo muito português e os meus pais deviam ter medo que eu, rejeitando o grão desde pequeno, crescesse para ser um adulto sem orgulho no seu país e que nem se levanta para cantar o hino quando joga a seleção de futebol (masculina).
A minha mãe fazia uma coisa que todas as mães fazem que é tentar dissimular alimentos que os filhos não gostam a ver se eles comem sem refilar. No fundo, tentam enganar os filhos, parte muito importante do papel de ser pai ou mãe. O meu irmão nisso era um patego. Quando era pequeno só gostava de sopa de espinafres, mas ele não sabia bem o que eram ou ao que sabiam os espinafres; então, sempre que ele perguntava de que era a sopa a minha mãe respondia “espinafres” ou “espinafres passados”. O meu irmão papava a sopinha e até lambia as beiças no fim, só com o efeito placebo. Mesmo que fosse sopa de feijão com couve lombarda ou canja, atenção, ele não sabia distinguir. Eu, como fui o primeiro filho e fiquei com os genes bons, não caía nessa cantiga. A minha mãe fazia sopa com grão passado a ver se me enganava, mas havia ali um travo e uma textura que ficava e que não me enganava, levando-me a fazer logo uma fita e a cuspir a sopa toda para o chão. Isto já com 20 anos, claro, depois de ter perdido as maneiras por causa dos videojogos.
Lembro-me de um episódio que aconteceu nos finais de 1997, tinha eu 13 anos. A minha mãe faz uma sopa, “de legumes” diz ela que é o que dizem sempre nos restaurantes só para não se terem de chatear a dizer os ingredientes. Provo e sinto o sabor do grão. Mau, está o caldo entornado, perguntei à minha mãe se a sopa tinha grão e ela disse, com sorriso maquiavélico “Não tem nada grão, isso é da tua cabeça.”. Não me enganou, faço mind games a dizer que é feio uma mãe mentir a um filho porque assim depois perde autoridade e credibilidade para sopas futuras. Ela vacila e confessa que tem “um bocadinho de grão passado, mas nem se nota”. Nota, nota, então eu notei logo. Já desconfiava desde que cheirei a colher de sopa e tive a certeza quando a degustei. Rejeito a sopa, a minha mãe insiste para eu comer e diz que tenho de aprender a gostar de grão como se grão fosse o único alimento do mundo.
As mães têm muito a mania de que temos de aprender a gostar de alimentos novos, mas é só para não passarmos mal quando vamos comer a casa de outras pessoas. Lembro-me de ser puto e ir sempre em pânico jantar a casa de amigos cujos pais não me conheciam bem, porque podia calhar fazerem para o jantar uma coisa que eu não gostava e não ter coragem de dizer. Tanta pescada cozida que comi a aguentar o vómito só para ser cordial e porque nunca aprendi a gostar, como a minha mãe tinha aconselhado.
Bem, voltando ao grão, estou eu a dizer que não quero aprender a gostar quando o meu pai, mais pragmático, me diz que se eu comer a sopa de grão me oferece um jogo de computador. Comi a sopa toda com entusiasmo e no fim o meu pai diz-me que estava a brincar e era só para eu ver que, afinal, conseguia comer a sopa e nem era assim tão má. Gerou-se o pandemónio naquele pequeno T2 na Buraca. Chorei, berrei e disse que um contrato verbal valia tanto com o escrito e que tinha sido vítima de burla. Ameacei forçar o vómito para quebrar a minha parte da promessa. A minha mãe intervém e diz que também ela pensava que o meu pai estava a falar a sério e que era um mau princípio prometer coisas e não cumprir. Seguiu-se uma discussão entre os meus pais sobre desautorizar, luzes acesas e tampo da sanita para cima. Não me lembro quem ganhou, mas lembro-me que no dia seguinte fui ao Colombo comprar o Hexen 2. Moral da história: continuo a não gostar de grão e não veio dai mal nenhum ao mundo; as promessas são para ser cumpridas; todos temos um preço.
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