E ontem fez-se História. Fez-se no desporto, fez-se em Portugal, e fez-se no machismo, essa que é das nossas maiores e melhores tradições. No jogo Famalicão – Sporting, o comentário de apoio ao narrador foi uma mulher. Ou seja, a comentadora foi um ser humano que tem como órgão reprodutor uma vagina, e não um pénis. Notável. Diria que até é histórico o facto de este facto ser histórico. Foi preciso chegarmos a 2020 para vermos isto.

Rita Latas, jornalista da SPORTTV, comentou o jogo e, surpreendentemente para tanta gente, com tanta competência como outra pessoa qualquer que nasceu com um penduricalho abaixo do umbigo. Agora, o que não foi propriamente surpreendente foi o tipo de comentários nas publicações nas redes sociais quando há dias se noticiou a Rita como comentadora. Que belo espectáculo de humanidade que pudemos ver com comentários desavergonhadamente misóginos, machistas, sexistas ou, no fundo, bárbaros e desprovidos de qualquer pingo de respeito por semelhantes seres humanos. Porque ela é mulher, claro que não percebe nada de futebol, claro que só está ali porque se meteu na cama com alguém. Foi o que foi dito, essencialmente, mas de formas muito mais gráficas e agressivas. Tantos comentários que encheram as redes sociais, todos de homens de grande eloquência e clarividência, todos a remeter a mulher ao seu lugar, que é sempre fora do futebol. Já é uma sorte já não estarem sempre na cozinha.

E às tantas também pode ser pertinente que nos interroguemos sobre o que levará estes exímios exemplares da masculinidade, não só a pensarem estas coisas, como a terem coragem de as escrever publicamente. De certa forma é admirável. É impossível não terem noção de que estão a ser absolutamente patéticos, mas ainda assim avançam com os seus propósitos. A fragilidade da masculinidade hegemónica é muito divertida, e neste caso gritou desespero por todos os lados.

A verdade é que, apesar da estupidez que grassou, o tão importante passo pela igualdade de género que isto representou é o que ficará. É o que fará com que muitas meninas acreditem que afinal também dá para lá chegar, é o que fará com que muitas mulheres se emancipem num mundo de homens, é o que fará com que muitos homens ponham em causa os dogmas que até agora não se tinham atrevido a questionar.

O futebol não é dos homens. Comentar futebol não é só para homens. O futebol é de quem quiser e comenta o futebol quem quiser.

Aqueles que fizeram comentários bárbaros perderam, mesmo que não o consigam ver. Mas ganhou o futebol, ganhou o país, ganhámos todos os outros.