A cidade onde se realizam os Jogos Olímpicos é escolhida com grande antecedência, entre vários concorrentes, para que se possa preparar para um evento de magnitude faraónica, com uma escala universal. Por um lado, nenhuma cidade tem infraestrutura montada para tantos eventos desportivos a acontecer ao mesmo tempo; por outro, deseja superar sempre as anteriores em grandeza, organização e beleza. Tóquio, que será a cidade dos Jogos Olímpicos de Verão de 2020, foi escolhida em 2013. Para os japoneses, é tempo de sobra para organizar minuciosamente todos os pormenores.

Também parecia muito tempo quando, em 2009, o Rio de Janeiro ganhou a competição para receber os jogos deste ano. Nessa altura o Brasil estava em curva económica e social ascendente, e o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, reeleito com mais de 60% dos votos em 2006, parecia imparável. O PT não era apenas uma forma de gestão do país, tinha uma programação ideológica muito forte, tanto para o Brasil como para todos os países sul e centro americanos com governos de esquerda. A realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016 seriam celebrações da "nova ordem" que o Partido dos Trabalhadores queria exibir com aparato.

Só que, entretanto, muita coisa aconteceu no Brasil. Dilma Rousseff, eleita em 2011, mostrou-se uma administradora inábil e incompetente, levando o país para uma recessão que agora se pensa que só abrandará em 2020. Por outro lado, tem-se descoberto aos poucos que o grandioso projecto social do PT incluía uma corrupção a níveis estratosféricos, mesmo para o Brasil. Dilma foi afastada e está metida num processo de impedimento, enquanto o país é governado interinamente por um Presidente fraco e impopular. A gestão da coisa pública está praticamente suspensa, enquanto os políticos de todas as cores se contorcem num jogo labiríntico para se salvarem a si próprios e enterrar os outros. O desemprego anda na ordem dos 11% e contabiliza-se um recorde de falências de empresas pequenas e grandes. Não há grandes condições de prestar atenção aos Jogos Olímpicos e muito menos de gerir as estruturas necessárias ou de tirar partido da promoção nacional que o evento proporcionaria.

No epicentro da tempestade está o Rio de Janeiro. A cidade foi escolhida porque é linda, entre a montanha e o mar, com um clima tropical suave. Mas é linda nos bilhetes postais e nos vídeos. Diz quem lá mora que desde a gestão Brizola (91-94) que a incompetência dos edis ("prefeitos") só tem par na corrupção desenfreada a todos os níveis. A criminalidade é assustadora. Há 16 assassinatos por dia só na cidade do Rio de Janeiro, com 6,3 milhões de habitantes, comparando com 48 assassinatos diários em todo o território dos Estados Unidos, com 320 milhões de habitantes.

A rua é partilhada entre a Polícia Militar, a Milícia, os gangues de traficantes e o crime juvenil, de puxão. As pessoas de fora, facilmente distinguíveis pela cor de pele e falta de samba, são roubadas na rua, pelos táxis, nos serviços, nos arrastões de praia.

Não há grande hipótese de um estrangeiro atravessar a cidade com uma câmara ao pescoço, uma mochila, ou alguma coisa de valor, e sair incólume.

Prevendo um grande número de visitantes incautos, a Prefeitura criou uma corpo extra, a Força Nacional, formado por voluntários das polícias e dos bombeiros de todo o país. Chegados ao Rio há três meses, os supranumerários ainda não conseguiram receber salário. Foram instalados em apartamentos sem camas, sem água, electricidade ou televisão, num bairro social que é dominado pela Milícia, que se recusa a fornecer esses serviços sem pagamento. Ora a Milícia é uma força semi-legal, formada por moradores e polícias fora das horas de serviço, que inicialmente se propunha a expulsar os traficantes de drogas, mas que acabou por se tornar uma gangue de extorsão ela própria. (Quem viu os dois filmes "Tropa de Elite", de Wagner Moura, conhece a história.)

A polícia propriamente dita – chamada Polícia Militar – e os bombeiros, estão neste momento em greve por falta de pagamento de salários, pelo que não é de esperar muito empenho durante os jogos. Têm aparecido no aeroporto com uma grande faixa onde se lê "Welcome to hell".

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Noutra vertente, as obras destinadas aos pavilhões, ao alojamento dos atletas e jornalistas e os melhoramentos nos transportes estão atrasadas e algumas não ficarão prontas a tempo – talvez não fiquem prontas nunca. Os custos, sobrecarregados com luvas para todos os sectores da administração, ultrapassaram largamente o valor orçamentado. A semana passada começaram a chegar delegações e começaram os problemas. Os australianos foram para hotéis e queixaram-se dos canos entupidos, das poças de água dentro dos apartamentos, da falta de lâmpadas. Eduardo Paes, o prefeito, respondeu delicadamente que se eles quisessem até lhes punha cangurus nos módulos habitacionais para que se sentissem em casa. Mas os americanos, suecos e portugueses também já se queixaram de que nada funciona. Paes deve ser bipolar, pois tão depressa afirma que os jogos são uma oportunidade perdida como que tudo vai correr maravilhosamente.

Mas não é só a Vila Olímpica, domicílio dos atletas, que tem problemas. O metro especial para os jogos, que atravessa a cidade até à Vila, está por acabar, assim como a autovia rápida. Uma pista de bicicletas panorâmica, junto ao mar, caiu há um mês, matando dois ciclistas. As fotografias mostram que foi mal desenhada e construída com materiais ordinários. Custou 45 milhões de dólares, pagos a dez empresas. Quanto à baía da Guanabara, onde se realizarão as provas náuticas, ainda esta semana apareceu um cadáver a boiar. Nas imagens aéreas vêem-se frigoríficos, sofás e objectos não identificados a flutuar numa massa acastanhada com grandes manchas verdes. Eduardo Paes já admitiu que a despoluição não virá a tempo.

Um contentor com equipamento para uma equipa da televisão alemã desapareceu ainda no aeroporto. Dado o escândalo, a polícia lá o encontrou três dias depois, num armazém cheio de contentores de proveniências várias. Jason Lee, atleta neozelandês de Jiu-Jitsu, foi apanhado na rua e obrigado a fazer vários levantamentos em máquinas ATM. Pelos vistos a sua especialidade não o salvou dos perigos da rua. Aliás, são esses "pivetes" o grande problema. Porque as gangues de traficantes, bem organizadas, não terão nenhum problema em fazer acordos com as forças da ordem; também lhes interessa que os seus negócios paralelos – drogas e prostituição – corram bem, num ambiente seguro para os visitantes. Agora, os pivetes, são operadores independentes. Andam pela cidade em pequenos grupos e atacam tudo o que vêem pela frente, com o descaramento de quem não tem nada a perder.

Enfim, chova sangue ou caiam tijolos do céu, no próximo dia 5 de Agosto terá lugar a cerimónia de abertura dos Jogos Rio 2016. A Presidenta suspensa, Dilma, não comparece, pois não teria direito às honras da praxe, o que seria constrangedor. O Presidente interino Temer, espera-se que vá. Como se prevê que será Pelé a acender a pira olímpica. O espectáculo musical conta com Anitta, Caetano Veloso, Elza Soares, Ludmilla, Gilberto Gil e Wesley Safadão.

Talvez Gisele Bündchen desfile numa passarela que na verdade será criada virtualmente a partir de uma projeção do calçadão de Copacabana, ao som de "Garota de Ipanema" de Tom Jobim. No mundo inteiro, 3,5 mil milhões de pessoas vão assistir, na segurança dos seus sofás. No Rio, estarão muitos milhares dos mais ousados.