Encontrar um painel em que se discuta o futuro do jornalismo na Web Summit é como encontrar o Wally. Existe, mas há que procurar com afinco e ter disponibilidade para palmilhar os cinco pavilhões desta summit em busca de uma pérola.
No palco “New Media Summit”, por exemplo, houve espaço para quase tudo - para jogos, para concertos, para a jornada do youtuber que se tornou uma empresa, para o modelo de negócio por detrás do marketing de influência -, mas não para o futuro do jornalismo.
Quando o moderador lançou o único painel aqui dedicado aos media tradicionais, deixou como promessa a resposta à pergunta: “como é que o jornalismo vai competir com criadores de conteúdos”, eles que já ajudam a decidir eleições?
Mas a conversa começou com um “como é que a eleição de Trump vos fez sentir” e acabou com a ladainha da transparência e da confiança para sustentar um modelo de negócio pelo qual poucos leitores estão dispostos a pagar e que, por isso, mantém os títulos reféns dos interesses dos CEOs de grandes empresas que, dizem-nos os tempos, tendem a ser mais conservadores do que progressistas, pelo bem do negócio.
E não me interpretem mal, isto não é uma crítica à Web Summit, que entendeu que por esta altura não há muito de novo para dizer sobre o futuro do jornalismo e entregou o microfone aos criadores de conteúdo e ao marketing de influência, nem aos CEOs das grandes empresas que legitimamente colocam o seu investimento em projetos de media que vão ao encontro dos seus interesses ou sustentam a sua visão do mundo. Sempre foi assim.
Aqui foram 20 minutos de conversa sobre Trump, sobre a importância da transparência e da confiança, sobre a importância de ser fiel aos factos e só ao cair do pano a sugestão de que, se calhar, o jornalista não pode ser invisível no processo de construção do conteúdo. E só.
Esta é a crítica, ou a trágica constatação, de que a discussão sobre o futuro do jornalismo deixou de interessar como interessava a empresários e a empreendedores, que além de leitores são aquele punhado de gente com quem contamos para pensar o futuro e, sobretudo, para pensar em soluções para os desafios que esse futuro nos traz. E nem os órgãos de comunicação social tradicionais se mostram capazes de 1) tornar o tema relevante 2) ter uma ideia de caminho para discutir.
E, como bem sabemos, o problema não é quando falam mal de nós, é quando já nem sequer falam de nós.
Alguém perguntou neste painel se a eleição de Trump voltaria a impulsionar o consumo de informação jornalística, como aconteceu após a sua chegada à Casa Branca.
Ninguém sabe, e ninguém sabe porque em oito anos mudou muita coisa, nomeadamente a forma como as pessoas escolhem manter-se informadas. E os media tradicionais estão a passar — por incapacidade ou por opção — ao lado deste debate.
(PS: o painel que hoje discutiu a “nova era Trump” teve como convidados um ator e um ativista. Não estou a colocar em causa a relevância destas vozes, mas antes a questionar-me sobre como nós, jornalistas, conseguimos ser excluídos da conversa. Veem como muita coisa mudou em oito anos?)
Mas ainda não fomos ao tapete
Nos confins do último pavilhão, há um canto onde não sobram cadeiras e muitos assistem em pé ao que a CEO da TIME, Jessica Sibley, tem para dizer sobre o futuro (ainda que o presente da TIME não seja de grandes certezas).
É ela a primeira a reconhecer que as mais recentes eleições nos Estados Unidos foram decididas pelos memes, pelos podcasts e pelas vozes independentes com impacto em audiências significativas, por vezes de nicho, mas altamente engajadas. E a primeira a assumir que isso não é uma surpresa para quem lidera empresas de media.
Porquê?
Porque a tecnologia é disrupção e os hábitos de consumo mudam.
E…
Nada disto é novo, sobretudo para uma empresa que antecede a televisão, a internet e se prepara agora para enfrentar o desafio da Inteligência Artificial.
É só difícil. Sobretudo para quem tem menos — menos público e menos dinheiro.
Numa conversa que migrou por fim do último palco para o Centre Stage, com Jessica Sibley sentada ao lado de Nicholas Thompson, CEO da The Atlantic, ambos olham para o desafio que se segue com três opções em cima da mesa: litigar, negociar ou não fazer nada.
Não fazer nada é morte certa, litigar tem sido a opção de alguns, como o The New York Times, mas estes dois meios preferiram ir a jogo para negociar com empresas como a OpenAI.
Negociar porque entendem ser esse o caminho para se manterem relevantes dentro de um ecossistema em que a tecnologia vai continuar baralhar as cartas e os hábitos vão continuar a mudar.
E o desafio da relevância, porque só sobrevive quem é relevante, não nos enganemos, reveste-se agora de uma urgência diferente para quem tem as contas a verde ou a vermelho.
É tempo de tirar a cabeça da areia ou sair do pedestal. Trazer o futuro do jornalismo de novo para o centro do debate, com ideias, com soluções, sem preconceitos.
É tempo de juntar à mesa homens/mulheres de negócios, engenheiros, comerciais, legisladores. E cabe aos jornalistas ser a força motriz. Pois escasseia o tempo para a próxima grande ideia.
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