Este assunto torna-se mais sério pela falta de seriedade com que é brandido. Quase nos faz ter saudades das corridas ao armamento, agora que se espalhafata uma corrida ao gatilho. Face a tão disparatado perigo global, quem diria que os maiores assuntos políticos nos países de Donald e Kim não eram sequer este? Na Coreia do Norte, o tópico mais surpreendente e badalado terá de ser o da abertura dum canal de comunicações com a vizinha Coreia do Sul. Já nos E.U.A., as novidades desta semana insinuam que os maiores perigos à presidência de Trump não estão num botão nuclear a 11.000 km de distância de Washington, estão bem mais próximos. Por esta altura, ninguém ameaça Donald Trump tanto quanto um homem do seu partido, e outro homem a quem deve uma boa parte da sua eleição.

Orrin Hatch, 83 anos, senador do Utah e um dos grandes apoiantes de Trump dentro do Republican Party, anunciou a reforma. As portas para um regresso de Mitt Romney estão abertas e, consequentemente, estão escancaradas para que ele se torne no grande antagonista do actual presidente. Romney e Trump: não há amor entre estas duas personagens. Juntamente com Doug Jones (democrata acabado de chegar ao Senado via Alabama) Mitt Romney engrossa de forma notória as possibilidades dum impeachment. Vai ser engraçado perceber como é que boa parte de nós, sobretudo europeus que tanto demonizaram Romney (aquando da corrida contra o pretty boy Obama), irão olhar agora para este putativo exterminador implacável de Trump.

A outra ameaça ao presidente chega sob a forma de Steve Bannon. Se é intelectualmente aceitável afirmar que Bannon foi um dos grandes arquitectos da eleição de Trump, então também deve ser matematicamente aceitável inferir que Bannon (agora inimigo de Trump) pode ser um dos grandes demolidores da presidência. A polémica chegou com um livro que já é best-seller, mesmo só sendo lançado na próxima terça-feira. Em excertos revelados de “Fire and Fury” - escrito pelo jornalista Michael Wolff - podem ler-se citações de Bannon onde ele se refere aos encontros que, durante a campanha, ocorreram entre um núcleo próximo de Trump (o filho mais velho, o genro e o chairman da campanha) e uma advogada russa (alegadamente a servir interesses do Kremlin). Apelida tais encontros de “traições” e de “antipatrióticos”.

A reacção zangada do presidente precisou de tantas palavras que nem o Twitter lhe chegou. Num comunicado distanciou-se de Bannon, distanciou Bannon da sanidade mental e, mais notório, distanciou Bannon de uma intervenção relevante no que tinha sido o sucesso eleitoral. Falta à verdade, contudo. Ainda que Bannon se tivesse movido pouco na eleição de Donald Trump (e isso é falso), o crédito na vitória ser-lhe-ia sempre devido. Steve Bannon foi uma ponte óbvia entre Trump e uma direita americana mais extremada e organizada; consequentemente foi também catalisador para que uma direita desorganizada saísse do armário directamente para a cabine de voto. As energias políticas que se arregimentaram, e que foram a surpresa vitoriosa, podem ter mais que ver com Bannon do que com o próprio Partido Republicano; por exemplo: a retórica de Trump para apelar à multidão descontente que o elegeu tem, claramente, a sua inspiração na alt-right e na Breitbart de Steve Bannon.

Considerando as personalidades fortes e irascíveis destes dois cabeçudos, diria que me espanta menos o conflito presente do que a parceria que mantiveram. Mesmo assim, mais do que uma opinião, o passado e o futuro incitam-me a algumas dúvidas: afinal quem é que se serviu de quem? – terá Trump sido um trampolim para a alt-right vislumbrar o poder, ou terá sido Trump a empoleirar-se nos ombros da alt-right para chegar à presidência. E com quem ficará agora grande parte da extrema direita? – por princípio, agarrados ao seu ideólogo Bannon ou, por utilidade, agarrados ao poder de Trump?

Mais dúvidas: a divergência pessoal entre estes dois casmurros levá-los-á a uma forçada divergência ideológica, tanto que farão questão de jamais estar de acordo? – esta seria uma das aparentes boas notícias, pois extinguiria algumas das monstruosidades em que concordam. Finalmente, as dúvidas que interessam: quão profundas serão realmente as feridas abertas por Bannon no livro de Wolff? E, após este troll presidencial, que monstro será promovido pelas surpreendentemente poderosas fileiras da extrema direita?

Incertezas de ano novo. Desejei muito um 2018 aborrecido, mas a primeira semana já se está a rir às minhas custas.

SÍTIOS CERTOS, LUGARES CERTOS E O RESTO

A análise desportiva do embate desta semana.

A falar sobre a lei da paridade ninguém acusará a Sofia Afonso Ferreira de mansplaining. 

Ando, aos poucos, a descobrir Luís Miguel Nava, poeta de um país que parece tê-lo escondido.