Um país, uma companhia aérea e uma discussão sobre quem manda. Em Portugal e não só
Hoje o futuro da TAP voltou à ordem do dia por razões distintas. Ouvimos na voz do ministro que tutela a empresa, Pedro Nuno Santos, que “o Estado português vai partir para uma negociação e não podemos excluir nenhum cenário, inclusivamente o da própria insolvência da empresa, porque obviamente o Estado não pode estar capturado, algemado numa negociação com privados”.
Não é nova a animosidade que tem marcado a relação do ministro das Infraestruturas e da Habitação com a companhia aérea, ou, mais em concreto, com os acionistas privados da companhia aérea. Assumir uma possibilidade de insolvência da TAP é mais um capítulo numa já longa - e pública - lista de divergências que opõem Pedro Nuno Santos ao modelo pelo qual é gerido a transportadora. Aliás, na mesma comissão parlamentar em que avançou o tema da insolvência, o ministro deixou claro que não se trata do fundamento para salvar, mas sim do processo pelo qual se salva. “Um ministro revela sentido de Estado quando defende o interesse público. Houve um senhor comentador que pediu a minha demissão por causa da minha intervenção sobre a TAP. Estamos a falar de um comentador que é o advogado mais rico do país. Esqueceu-se foi de dizer que era o escritório de advogados de sempre dele que representava o acionista privado e a própria TAP”, apontou o ministro das Infraestruturas.
Vamos recordar o calendário referente às ajudas de Estado à TAP:
- A 13 de maio, o secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, disse que o Governo espera ter uma decisão sobre a injeção de dinheiro na TAP em meados de junho.
- Na mesma altura, o secretário de Estado do Tesouro referiu o executivo já recebeu um pedido inicial que versava sobre "várias matérias", uma das quais a "garantia [pública] a um empréstimo que a TAP pretende obter", no valor de 350 milhões de euros.
- Um dia antes, a 12 de maio, o ministro das Finanças, Mário Centeno, defendeu que uma injeção repartida entre o acionista privado e o Estado seria "a forma mais tranquila de conversar" sobre uma capitalização da TAP.
- O primeiro-ministro, António Costa, por seu turno, assegurou no início de maio que só haverá apoio à TAP com "mais controlo e uma relação de poderes adequada", mas disse que a transportadora aérea continuará a "voar com as cores de Portugal".
- Desde 2016 que o Estado (através da Parpública) detém 50% da TAP, resultado das negociações do Governo de António Costa com o consórcio Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), que ficou com 45% do capital da transportadora; os restantes 5% da empresa estão nas mãos dos trabalhadores.
A ajuda à aviação é um tema global - como podemos perceber no artigo que publicámos hoje sobre o panorama global do setor - e os temas repetem-se em vários mercados. Veja-se o caso de duas companhias "históricas" na Europa. A alemã Lufthansa, que é também a principal companhia da Europa, diz estar perto de alcançar um acordo de auxílio por parte do Estado alemão depois de este ter ameaçado cessar o pagamento. Mas, para isso, o Estado exige contrapartidas, nomeadamente deter 25,1% do capital da empresa e voz nas decisões, segundo o Der Spiegel. A administração da Lufthansa recusa-se a ser influenciada na gestão pelos poderes políticos dos países em que atua – Alemanha, Áustria, Suíça e Bélgica –, mas lá vai dizendo que o apoio do Estado alemão "seria um passo essencial para garantirmos nosso futuro". Um "passo" que representa uma ajuda de 10 mil milhões de euros.
Em Itália, o governo preparou um plano no valor de 500 milhões de euros para nacionalizar a Alitalia, depois de os administradores do processo de falência não terem conseguido encontrar investidores interessados em viabilizar a empresa. A Alitalia é atualmente detida pela empresa Emirate Etihad em 49 % e pelo consórcio Midco em 51 %.
Apesar de longe irem os tempos das companhias de bandeira ou estatais, nomeadamente na Europa, a verdade é que a ideia de um país, uma companhia aérea permanece no imaginário como uma espécie de nostalgia romântica. Na realidade, é mais que isso, não apenas por razões de emergência, como foi o caso dos voos de repatriamento, mas porque num mundo cada vez mais global, o transporte aéreo é dificilmente dissociável de algumas opções estratégicas dos países. Quanto é que isso custa, quem paga e quem manda é que já é outra discussão.
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