Touradas, um jogo em que todos jogam (menos o touro)

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

De acordo com o site direitosedeveres.pt, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, aos 16 anos, um menor passar a ser criminalmente responsável, isto é, pode ser punido pelos crimes que cometer. Quanto a direitos, pode perfilhar e administrar bens adquiridos pelo seu trabalho. Pode prestar trabalho uma vez concluída a escolaridade obrigatória. Pode tirar a carta de condução em algumas categorias de veículos, com autorização escrita de quem exerce o poder paternal. Pode casar‑se — o que juridicamente determina a sua emancipação —, desde que o seu representante o autorize. Mesmo que tal não suceda, o conservador do registo civil tem plenos poderes para tomar uma decisão favorável ou desfavorável face à situação em concreto. E, finalmente, a partir de hoje passa também a poder assistir a uma tourada.

O Conselho de Ministros aprovou hoje o "decreto-lei que altera a classificação etária para assistir a espetáculos tauromáquicos, fixando-a nos maiores de 16 anos, à semelhança do que acontece para o acesso e exercício das atividades de artista tauromáquico e de auxiliar de espetáculo tauromáquico", uma decisão que o Governo diz ter sido tomada "na sequência do relatório do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas de 27 de setembro de 2019, que defende o aumento da idade mínima para assistir a espetáculos tauromáquicos em Portugal".

Se a tourada fosse um videojogo, poderíamos dizer que lhe era atribuída uma classificação PEGI 16, segundo a escala do Pan European Game Information, uma classificação que é aplicada "quando a representação de violência atinge um nível semelhante ao que seria de esperar na vida real".

No entanto, há que ressalvar que uma tourada não é um jogo de consola, aquilo que é espetado no touro são mesmo ferros, aquilo que sai do corpo do animal é mesmo sangue. Aquilo que arranca aplausos e ovações do público é mesmo um homem a espetar ferros num animal. Não é CGI.

Apesar disso, a ProToiro - Federação Portuguesa de Tauromaquia não distingue muito esta medida de um selo PEGI na capa de um qualquer jogo da saga GTA, uma vez que olham para a alteração de classificação etária como uma "recomendação da idade para assistência ao espetáculo" e "não uma proibição de acesso de menores", palavras de Hélder Milheiro, secretário-geral da federação.

Para o CDS e o Chega este decreto-lei não vale o mesmo que um selo de recomendação de idade para jogar um jogo - ou ir ver um filme ao cinema, não querendo agarrar-me demasiado ao exemplo do mundo do gaming -, vale antes o mesmo que um jogo de conquista de cadeiras para fazer aprovar o Orçamento do Estado para 2022.

Hoje, no Parlamento, a deputada Cecília Meireles considerou que a medida aprovada pelo Conselho de Ministros “tem mais a ver propriamente com a barganha orçamental que estamos a viver e com a necessidade de comprar o voto do PAN do que com outra coisa qualquer”.

“De facto, o Conselho de Ministros decidiu ao mesmo tempo negar a característica de espetáculos culturais tradicionais em Portugal às touradas e também negar a liberdade aos pais de serem responsáveis pela educação dos seus filhos. Tudo numa só medida, em nome da barganha com o PAN”, afirmou.

Para o deputado André Ventura, do Chega, também é “curioso” ver como o PAN “vem elogiar o PS e os seus projetos-lei”.

“Já estamos a ver como vai ser o Orçamento. Sai o BE e entra o PAN e alguém há de estar sempre aqui pronto para dar uma mão qualquer quando for preciso”, considerou.

Se por um lado é verdade que o aumento da idade mínima para se assistir a touradas tem sido também uma exigência de partidos como o PAN e o BE, que apresentaram no passado propostas nesse sentido na Assembleia da República e diretamente ao Governo, no caso do Pessoas-Animais-Natureza, no âmbito de negociações do Orçamento do Estado.

Por outro lado, a medida hoje aprovada pelo Conselho de Ministros constava do programa do Governo, aprovado em 2019.

Se o timing é suspeito, voltemos à analogia do jogo para dizer que se o assim o é, o PAN devia dar 'menos cana'.

"Congratulamo-nos com esta importantíssima vitória do PAN que, após diversas reivindicações, vê assim reconhecida a sua preocupação, assistindo ao Governo a dar este passo civilizacional no sentido de proteger as nossas crianças e jovens, evitando expô-las à violência da tauromaquia, tal como já tinha alertado o Comité dos Direitos das Crianças da ONU", afirmou a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real.

Num comunicado enviado aos jornalistas, a líder do partido, congratulou-se "pelo facto de o Governo ter cumprido finalmente com o acordo que ficou estabelecido com o PAN", apontando que esta medida decidida hoje em Conselho de Ministros, "decorre das negociações do Grupo Parlamentar do PAN - Pessoas-Animais-Natureza com o Governo no âmbito do Orçamento do Estado" de 2021.

Seja qual for o jogo que esteja a ser jogado, o único que continua a ficar de fora é o touro. Curiosamente, o que perde sempre.

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