A COP26 soma promessas, mas as dúvidas ainda são muitas. Os acordos alcançados a cinco dias do fim da cimeira
Os alertas vão-se repetindo — recorde-se que, em agosto, as Nações Unidas publicaram um relatório particularmente alarmante quanto ao aquecimento global —, mas as soluções não têm surtido efeito e muitas vezes nem da gaveta têm saído.
O Acordo de Paris já lá vai, a eco-ansiedade aumenta e as cimeiras sucedem-se de forma algo inconsequente — como o nosso cronista José Couto Nogueira apontou no seu último texto.
A COP26, a decorrer há uma semana — e com duração até 12 de novembro — em Glasgow, na Escócia, foi coroada de expectativa por ser entendida como um dos últimos esforços globais possíveis com o tempo a escassear. Até agora, os trabalhos saldaram-se em promessas de milhões para combater a desflorestação e apoiar os países mais pobres, mas o evento foi igualmente marcado por manifestações a exigir mais.
Numa semana marcada pela presença em Glasgow dos líderes mundiais e pelas queixas das organizações não-governamentais de falta de acesso à cimeira, manifestantes exigiram o fim dos combustíveis fósseis, para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa. Além disso, a cimeira começou com o “pé esquerdo” por não contar com a Rússia nem a China, dois dos maiores emissores do mundo de gases com efeito de estufa. Outros foram a Glasgow deixar promessas de muitos milhões e assinar compromissos para um mundo mais “verde”, mesmo que dentro de muitos anos, como a Índia.
Ao fim destes dias de muita discussão — ou, para os detratores, de “blá-blá-blá”, como classificou a ativista ambiental Greta Thunberg — o que ficou de facto selado como promessa?
Eliminação progressiva do carvão
Sendo que a produção de energia elétrica através do carvão é uma das maiores responsáveis pela emissão mundial de gases com efeito de estufa, a Aliança Global para o Abandono do Carvão (PPCA, na sigla original) anunciou na cimeira de Glasgow a entrada de mais 28 Estados para a organização, um deles a Ucrânia, o terceiro maior utilizador de carvão na Europa. Ao todo, pertencem agora a este grupo 165 Estados, Portugal incluído.
E Portugal está também num grupo de mais de 20 países e instituições que na semana que passou anunciaram em Glasgow que vão deixar de financiar projetos de combustíveis fósseis até ao fim de 2022. A China e a Rússia não assinaram. Além disso, mais de 20 países também subscreveram uma declaração que defende o fim da construção de novas centrais elétricas a carvão, comprometendo-se a promover fontes energéticas limpas.
Redução das emissões de metano
Outro dos principais compromissos passa por mais de 100 países, entre os quais Portugal, mas também os Estados Unidos e a União Europeia como entidade, reduzirem 30 % as emissões de metano até 2030, em comparação com 2020.
O anúncio em Glasgow, o Compromisso Global do Metano, é relevante, porque o metano é um poderoso gás com efeito de estufa, responsável por cerca de 30 % do aquecimento do planeta desde a época pré-industrial, com um efeito de aquecimento cerca de 29 vezes superior ao dióxido de carbono (CO2) durante um período de 100 anos, e cerca de 82 vezes durante um período de 20 anos. Há pelo menos 328 milhões de dólares prometidos para apoio financeiro e técnico para a implementação do compromisso, que, se concretizado, pode reduzir 0,2 graus Celsius o aquecimento global. Nem a Rússia nem a China assinaram o compromisso.
Combate à desflorestação
Foi também assinado um acordo global para pôr fim à desflorestação até 2030, num dia da cimeira especialmente dedicado às florestas. A Comissão Europeia, anunciou a sua presidente, Ursula von der Leyen, vai apoiar com mil milhões de euros o programa de combate à desflorestação. A responsável comprometeu-se a reduzir a pegada de consumo europeia nos territórios e florestas, afirmando que os europeus não querem comprar produtos que provocam desflorestação ou degradação das florestas.
Ao mesmo tempo que o Brasil anunciava a partir de Brasília um objetivo mais ambicioso de redução de emissões, e de eliminar a desflorestação ilegal até 2028, em Glasgow representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e os governos da Alemanha e dos Países Baixos anunciavam um projeto conjunto para a proteção das florestas e da terra na região amazónica que implica um investimento de 30 milhões de euros. Também em Glasgow, o Presidente da República Democrática do Congo e o primeiro-ministro britânico anunciavam o apoio a um programa para proteger a floresta da Bacia do Congo, avaliado em 500 milhões de dólares (431,7 milhões de euros) nos primeiros cinco anos.
Menos gases, melhor transição e mais investimento tecnológico
Outro anúncio consistiu numa aliança de 450 empresas financeiras que se comprometeram em investir 112 mil milhões de euros na transição para uma economia descarbonizada, até 2050. Com a promessa de financiamento, a Aliança Financeira de Glasgow para as Zero Emissões Líquidas, criada em abril para mobilizar estes fundos, duplica os 60 mil milhões de euros avançados até agora.
Além disso, a União Europeia e o empresário norte-americano Bill Gates assinaram uma parceria de aposta nas novas tecnologias, que envolve também o Banco Europeu de Investimento. O anúncio da parceria já tinha sido feito em junho mas esta só foi formalizada na primeira semana da COP. Pretende, entre 2022 e 2026, mobilizar até 820 milhões de euros para acelerar a implantação e comercializar rapidamente tecnologias inovadoras que ajudem a estratégia europeia de atingir as suas metas climáticas, nomeadamente de reduzir 55 % as emissões de gases com efeito de estufa até 2030.
Apoios a países
Os países ricos prometeram 100 mil milhões de dólares por ano (86 mil milhões de euros), a partir de 2020, para os países menos desenvolvidos, os menos responsáveis pelas alterações climáticas, para ajudar na adaptação. A promessa até aqui nunca foi cumprida, mas na cimeira de Glasgow a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu mais 4,3 mil milhões de euros de financiamento a países vulneráveis.
Esse e outros contributos anunciados, como o do Japão — que prometeu fundos de 8,64 mil milhões de euros ao longo de cinco anos para promover a transição energética na Ásia — , levaram o enviado especial dos Estados Unidos para as alterações climáticas, John Kerry, a dizer que a meta dos 100 mil milhões será alcançada no próximo ano.
Recuperação dos oceanos
Num dia especialmente dedicado aos oceanos (sexta-feira) o Reino Unido, anfitrião da conferência, anunciou a mobilização de sete milhões de libras (oito milhões de euros) para proteger e "restaurar a saúde e resiliência" dos oceanos.
A presidência britânica da Conferência marcou o "Dia da Ação dos Oceanos" com um apelo aos líderes mundiais a tomarem medidas de proteção dos oceanos que permitam alcançar a neutralidade carbónica e manter ao alcance o aquecimento global a não mais de 1,5 graus Celsius.
Todavia, não obstante os acordos firmados, persiste o ceticismo por parte de muitos ativistas quanto ao caráter efetivo destas medidas a implementar.
Greta Thunberg mas também milhares de outros jovens desfilaram por duas vezes em Glasgow exigindo ser envolvidos no processo e medidas concretas de luta contra as alterações climáticas, ostentando cartazes com frases como “COP26, age agora, para os combustíveis fósseis" ou "Parem as Alterações Climáticas".
O protesto de sábado em Glasgow foi replicado em várias outras cidades, incluindo cidades portuguesas. Ontem, no Porto, hoje, em Lisboa. Apesar do número relativamente reduzido de manifestantes, as mensagens não deixaram de se ouvir, inclusive de líderes políticos, como do PAN, Os Verdes e Bloco de Esquerda.
Quanto a estes últimos, Catarina Martins referiu que, apesar da Cimeira do Clima estar a ser uma “desilusão” e que é um "desfilar de boas intenções" sem "qualquer medida concreta" para a descarbonização ou contra o aquecimento global. disse que há ainda tempo para se tomarem medidas efetivas. Haverá? É esperar pela próxima semana.