"Permitiu desenvolver muitas tecnologias rapidamente", afirmou à Lusa o professor universitário e diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, Rui Agostinho.

Segundo o docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foram desenvolvidos "métodos metalúrgicos, de eletrónica, de engenharia e de construção de novos materiais" que se traduziram "em produtos no mercado".

A "aventura espacial", assinala, "ajudou a pagar" o avanço da tecnologia. Foi sempre assim e continuará a ser.

"As empresas criaram uma série de tecnologias para serem utilizadas no setor espacial, mas sabiam que, mais tarde, iriam aplicá-las aos produtos a construir para o mercado comum", sublinha.

A ida à Lua, em julho de 1969, obrigou à miniaturização de circuitos eletrónicos para "aliviar o peso do foguetão", tornando-o livre para o transporte de "sistemas de suporte de vida" dos astronautas, incluindo comida desidratada, hoje à venda nos supermercados.

"Cada quilo que se leva para o espaço tem um custo enorme", enfatiza Rui Agostinho, que é investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

O Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, criou o computador de bordo que guiou os astronautas até à superfície da Lua e os trouxe de regresso à Terra. Momentos antes da alunagem da nave "Eagle", em 20 de julho de 1969, o computador emitiu um sinal de alarme, não devido a uma avaria mas porque estava atafulhado de dados.

Embora menos potente que um 'smartphone', a tecnologia então usada estava cerca de 10 anos à frente do seu tempo.

O computador, descreve a agência espacial norte-americana NASA, que conduziu o programa lunar Apollo nas décadas de 1960 e 1970, foi reduzido do tamanho de sete frigoríficos, colocados lado a lado, a um cubo com as dimensões de um pé.

A NASA realça que a miniaturização do 'hardware', na época, foi precursora da geração atual de dispositivos eletrónicos de bolso, como os telemóveis. O 'software', um termo então pouco corriqueiro, esteve na base da computação moderna.

Na Lua foi preciso recolher amostras de rocha (rególito) e trazê-las para estudo na Terra. Como? Através de um pequeno equipamento portátil que extraísse as rochas do solo. Estava criado o miniaspirador sem fios, hoje utilizado para limpezas em casa ou no automóvel.

O material antiaderente que forra as frigideiras começou por ser usado como isolante térmico das naves.

"Sabe que usa diariamente a técnica que levou o Homem à Lua? A resposta está nos pneus Mabor do seu carro". As frases titulam um anúncio publicitário publicado pelo extinto jornal Diário de Lisboa, que dedicou as três edições de 21 de julho de 1969 à primeira alunagem humana.

A publicidade é enganosa, avisa o professor catedrático do Instituto Superior Técnico Luís Campos, especialista em mecânica aeroespacial, mas acaba por ilustrar, ainda que de forma hiperbolizada, como a tecnologia espacial se transferiu para a vida quotidiana.

Os tanques pressurizados, as lentes de contacto e as máquinas de hemodiálise também tiveram a sua origem na "aventura espacial", elenca o astrofísico Rui Agostinho.

"A humanidade ganhou muito" e "o mundo mudou radicalmente", diz. A corrida ao espaço não é feita só à escala de um país, mas de uma ou várias empresas.

"Entrámos numa época em que a aventura do espaço já não é a aventura de um país, não é necessário um orçamento de um país para lançar qualquer coisa para o espaço, temos uma série de firmas privadas a fazerem lançamentos para o espaço", sustenta Rui Agostinho.

A tecnologia necessária embarateceu e o mercado estendeu-se a pequenos lançadores de microssatélites e nanossatélites de observação da Terra e de comunicações. Até as universidades "têm equipas científicas que fazem experiências com pequenos satélites", observa.

Face a este contexto de mudança, Rui Agostinho considera que as empresas vão naturalmente "embarcar com a NASA" numa nova missão tripulada à Lua, deixando "a porta aberta" para Marte, pois têm interesse em "desenvolver novas tecnologias com aplicação futura".

Mas se voltar à Lua "é exequível" em 2024, como promete a NASA e o governo norte-americano, ir a Marte é "ainda um sonho", de acordo com o investigador, especialista no estudo da estrutura, dinâmica e evolução da Via Láctea.

"O problema é o ser humano, não é o foguetão para lá chegar", justifica, ironizando que "o ser humano ideal para ir a Marte é um robô", por causa das limitações do corpo fora da Terra, que aumentam numa viagem e estada prolongadas num planeta onde é preciso ter água, comida e oxigénio para sobreviver, mas também proteção contra a radiação cósmica e a queda de meteoritos (Marte, ao contrário da Terra, não tem campo magnético e a atmosfera é ténue).

Por isso, para o professor e cientista Rui Agostinho, "o dia em que a humanidade vai viver para Marte é ficção científica". Apesar de a necessidade aguçar o engenho.

*Elsa Resende, Agência Lusa

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