Em 1989, António Murta dizia aos alunos que via o silício como o ouro ou o petróleo das próximas décadas numa antevisão da importância esta matéria-prima viria a ter na indústria de semicondutores. O tempo deu-lhe razão e hoje o seu olhar está de novo posto no futuro, nomeadamente aquele que considera ser um palco primordial nas próximas décadas e que é o da saúde.

"Vejo pelo menos duas novas palavras substitutas do silício", afirma. Uma é o grafeno -  um material ultra-leve, mecanicamente forte e também com propriedades condutoras que, defende, "vai representar uma oportunidade de transformação do mundo tal qual o conhecemos" ao ponto de dizer que "estamos a entrar na era do grafeno".

A outra palavra-chave que identifica é a quanta, "no sentido de substituirmos os bits por quantas - quanta bits, ou qubits - porque o que está em causa no domínio da computação quântica é a possibilidade de atacar problemas que até agora se julgavam inatacáveis".

"Quer num caso, quer noutro, já estamos em fase de aplicação", sublinha" , "ainda que, no caso da computação quântica, tenhamos ainda problemas fundamentais a resolver - a escalabilidade da computação quântica depende da resolução de erros e os algoritmos (justamente de deteção e correção de erros) que ainda são um dos grandes desafios da computação quântica".

Apresentadas as duas palavras que António Murta coloca no léxico do futuro que se segue, a conversa centrou-se na área que o mobiliza nos dias de hoje, a saúde. "A tecnologia de saúde conquistou nas últimas dezenas de anos um enorme progresso na esperança de vida das pessoas, é um facto comprovado, e isso é fruto da higiene, dos antibióticos, das vacinas, mas também, para todos os efeitos, de todo o sistema hospitalar. Em particular, nós conseguimos controlar as infectocontagiosas - a situação que estamos a viver, com Covid, é uma situação rara durante muitos anos (desde a gripe espanhola que não tínhamos uma situação tão grave como esta)". Tudo, sublinha, num contexto mais difícil porque o mundo está muito mais conectado e a transmissibilidade é muito maior.

Mas, onde acredita que deveria ser repensada a estratégia, é na forma como são tratados os doentes crónicos, algo especialmente relevante quando "70% dos custos dos sistemas de saúde, em geral, estão relacionados com seis patologias, todas crónicas, a saber: hipertensão, diabetes, obesidade, degenerativas cerebrais, as doenças respiratórias obviamente (COPD), e também o cancro, que em larga medida já é crónico (felizmente - conseguimos transformar parte dos cancros em doenças crónicas com progressão lenta)".

Sendo este o retrato, a observação que faz é que "temos um excelente sistema para agudos, mas não temos um bom sistema para crónicos". "Costumo dizer que o Ministério da Saúde não se devia chamar Ministério da Saúde, devia-se chamar Ministério da Doença, porque não promove a saúde, combate a doença - e são coisas bem diferentes".

Onde é que vê espaço de atuação, nomeadamente mais imediata? Naquilo que designa o ato médico por excelência que é a consulta.

"A maior parte dos sistemas públicos europeus (que representam as melhores práticas de saúde do mundo) têm patamares de consulta média por paciente de 7 minutos, de 8 minutos, de 10 minutos. É muito difícil diagnosticar o que quer que seja em 7 a 10 minutos. Estamos no limite da produtividade da medicina clássica, podemos estar já para lá do limite da produtividade. Podemos estar num patamar de pressão sobre o sistema em que é difícil praticar um ato médico de qualidade, com pressão temporal tão grande. Portanto a pergunta certa é: será que não podemos pensar de outra maneira sobre os atos médicos?".

A resposta que dá - não sendo médico, mas tendo intenção de fazer um curso de medicina - é que "podemos pensar em atos médicos alternativos mais escaláveis e que tenham capacidade de acrescentar valor e segurança à vida das pessoas".

A um outro nível, António Murta vê uma profunda mudança introduzida pela telemedicina. "Daqui a vinte anos vamos
ter um estetoscópio em casa, estamos com o médico por Zoom, ligado à televisão, e ele vai auscultar sem estar ao nosso lado".

As ideias e os exemplos podem ser ouvidos na conversa que aqui publicamos e António Murta deixa ainda uma sugestão aos mais curiosos: procurar em Ted.com "exossomas" e assistir a "uma palestra absolutamente extraordinária de um dos líderes mundiais, o homem que descobriu os exossomas, e vão perder 18 minutos a ver o futuro antes de o futuro ser verdade".