A Bitcoin, a primeira e maior criptomoeda, atingiu, na quarta-feira, um novo máximo histórico de 68.991,84 dólares (aproximadamente 60.088 euros) por unidade, depois da divulgação dos números da inflação nos Estados Unidos.

A moeda digital subiu 3.000 dólares (cerca de 2.612 euros) em apenas 30 minutos, para depois permanecer num nível mais moderado — perto das 17:30 (hora de Lisboa) estava a 68.630 dólares (59.772 euros). No entanto, esta quinta-feira à noite, Bitcoin já rondava os 65 mil dólares, (cerca de 56 mil euros).

Apesar da sua volatilidade, a Bitcoin tem um valor de mercado de 1,1 biliões de dólares, quando há cinco anos valia cerca de 700 dólares.

Alguns analistas sugerem que os investidores estão a comprar Bitcoin porque estão preocupados com o aumento da inflação e usam a criptomoeda como proteção contra os aumentos dos preços.

Hoje são várias as criptomoedas que circulam no mercado. Se há quem veja aqui uma oportunidade de investimento sem paralelo, outros questionam a segurança e até a sustentabilidade ambientes deste tipo de ativos.

Tim Draper, investidor e fundador da Draper Associates, Kathleen Breitman, cofundadora da Tezos, e Pascal Gauthier, CEO da Ledger, são defensores das criptomoedas e acreditam que "estão aqui para ficar", mas reconhecem que há temas a resolver no que concerne o seu impacte ambiental.

Isto porque, só no processo de simplesmente existirem, as criptomoedas, como a Bitcoin, utilizam quantidades enormes de eletricidade, uma vez que todas transações são processadas por milhões de computadores espalhados pelo mundo que tentam resolver complexos problemas do algoritmo — um mecanismo de consenso chamado proof-of-work (PoW) que é, literalmente, uma prova de trabalho computacional, à qual se dá o nome de mineração.

Este processo de mineração consome, aproximadamente, o equivalente a 0,5% de toda a energia elétrica produzida anualmente no planeta.

Porque é que a Bitcoin necessita de tanta energia?

Para minerar Bitcoin é preciso resolver um problema codificado na blockchain e, por norma, são precisas várias tentativas para encontrar um "hash" adequado — dados da transação e informações dos blocos de dados atuais e anteriores. Um minerador de Bitcoin que encontre o "hash" correto valida e regista a operação, recebendo uma recompensa sob a forma de Bitcoin.

Tim Draper relembra, no entanto, que "o custo da energia da mineração está a cair, graças à inovação". Além disso, refere, "a quantidade de energia necessária para os interruptores continua a descer". No futuro, "quando se usar a computação quântica, isto vai ser quase insignificante", antecipa. Assim, apesar de reconhecer que não deve ser negligenciado o custo energético da mineração, considera que se trata já que um "não-argumento".

Já Pascal Gauthier defende que "a crise energética e climática será corrigida pela tecnologia, tirando as pessoas da pobreza, pela educação e pela melhoria dos comportamentos", através de um sistema financeiro global que ajude as pessoas. E as criptomoedas podem vir a desenhar um importante papel nisso.

Há ainda outros mecanismos de consenso neste universo a considerar. Um deles é o proof-of-stake (PoS), uma prova de participação usada por criptmoedas como a Tezos e que está a ser adotada pela Ethereum, a segunda criptomoeda mais valiosa no mercado.

Nos casos em que o mecanismo utilizado é o proof-of-stake (PoS), em vez de "mineiros", há "validadores", selecionados aleatoriamente pelo algoritmo da blockchain. Para validarem as transações, têm de "arriscar" uma determinada quantidade de criptomoedas. Desta forma, a segurança não assenta no poder informático, como acontece no proof-of-work, mas na aleatoriedade do processo e no risco de os validadores perderem as suas criptomoedas.

Num painel da última edição da Web Summit, "Cleaning up crypto", exclusivamente dedicado à questão da mineração de criptomoedas, três convidados, entre os quais Kathleen Breitman, debateram soluções mais sustentáveis e opções que os principais atores podem tomar para assegurar que a adoção contínua destas moedas descentralizadas não venham a ter um impacto ainda maior.

No caso da Bitcoin, é este processo de proof-of-work que a torna segura, visto que é "muito caro atacar a rede, gastando imensa energia", explica Kathleen. "Mas já existem alternativas, como o proof-of-stake", reitera.

Todavia, a CEO da Tezos defende a Bitcoin: "Ou se pensa que a Bitcoin está a resolver um problema para o mundo e que o consumo de energia é justificado, porque o que está a fazer é uma mais-valia, ou não. Nesse caso, é muito fácil focarmo-nos no seu impacte ambiental. Penso que, apesar de a Tezos ser uma alternativa muito mais eficiente em termos energéticos do que a Bitcoin, algumas das críticas ao ‘monstro da energia da Bitcoin’ são sobretudo de pessoas que não encontram nada de virtuoso nesta moeda, independentemente da quantidade de energia consumida".

Além disso, acrescenta, quando a Bitcoin "foi lançada, em proof-of-work, essa era de longe a forma correta de o fazer, mas basicamente o desenvolvimento informático acelerou" e deu lugar a alternativas.

Já Adam Carver, fundador e CEO da BitGreen, que também presente neste painel, afirmou que "na cabeça de algumas pessoas há um conflito entre a criptomoeda, a blockchain e a sustentabilidade ambiental ou ESG [governança ambiental, social e empresarial]", mas existem alternativas, como é o caso desta ‘moeda verde’. Para o CEO, qualquer caso objetivo sobre o consumo de energia da Bitcoin deverá, necessariamente, incluir uma adenda que contextualize esse consumo e enumere os benefícios.

A Bitcoin Green é uma moeda transacional proof-of-stake, desenvolvida para fornecer uma alternativa sustentável à Bitcoin. Desta forma, a Bitcoin Green (BITG) baseia-se no 'The Green Protocol', que utiliza um algoritmo altamente eficiente de consenso proof-of-stake que resolve muitos dos problemas de sustentabilidade da Bitcoin. A Bitcoin Green pode ser minerada em qualquer computador ou portátil sem equipamento especializado, o que lhe confere um acesso mais universal.

Adam argumenta ainda que "as emissões de carbono geradas por esse processo [de mineração] estão a diminuir, mas de qualquer forma isso não deve ensombrar o facto de que as criptomoedas e a tecnologia estarem, na realidade, a gerar uma enorme quantidade de novo valor ESG no mundo".

O fundador da GreenBit defende, por isso, que é necessário ter uma perspetiva mais "ampla sobre o potencial das criptomoedas e avaliar, a longo prazo, o tipo de valor que vão gerar". No seu entender, depreciar estas moedas com o argumento de que não são amigas do ambiente, "é como criticar automóveis com base nas ineficiências do motor de combustão interna do Modelo T [da Ford, que revolucionou a indústria automóvel] e nem sequer pensar onde é que esta tecnologia nos vai levar, não daqui a 100 anos, mas daqui a cinco ou dez anos".

E, agora, qual o caminho para as criptomoedas?

Laura Wallendal, diretora-geral da Thesis, não acredita "que alguma vez ocorra uma mudança da Bitcoin para proof-of-stake".

"A forma como estas outras cadeias funcionam – Tezos, Polkadot, Ethereum – é fortemente baseada na governação: criam alguma centralização do controlo, o que em alguns casos leva a que os projetos se movam um pouco mais lentamente e se torne difícil lançar novos projetos e protocolos".

A Thesis é uma empresa que "luta contra o controlo centralizado, utilizando a tecnologia para construir um futuro justo e livre" e que está, agora, focada em "colmatar a lacuna entre a compra de Bitcoin e o ‘mundo real’ e permitir dados privados em blockchain públicas".

O economista Alex de Vries estima que a cada ano e meio, aproximadamente, o poder computacional do hardware de mineração duplique, tornando obsoletas as "máquinas" mais antigas. Assim, de acordo com os seus cálculos, no início de 2021, só a Bitcoin estava a gerar mais lixo eletrónico do que muitos países, já que os investigadores estimam que os dispositivos de mineração Bitcoin têm uma esperança média de vida de apenas 1,29 anos.

De acordo com Vries, o volume anual de resíduos de mineração de Bitcoin a nível mundial é de cerca de 30.700 toneladas métricas, tanto quanto os Países Baixos produzem em apenas um ano a partir de computadores portáteis, telefones e outros dispositivos informáticos pessoais.

Numa altura, em que muitas indústrias estão a debater-se com uma escassez global de chips, além de produzir grandes quantidades de lixo eletrónico, os investigadores argumentam que esta alteração constante de dispositivos também pode contribuir para a "perturbação da cadeia global de fornecimento de vários outros dispositivos eletrónicos" e sugerem uma mudança na forma como as transações de criptomoedas são verificadas, com uma transição para um sistema diferente e menos intensivo em termos informáticos.

O CEO da BitGreen sustenta que "os mecanismos de governação da Bitcoin são demasiado difíceis de modificar, porque é dominada pelos mineiros e isso significa que a Bitcoin está a operar como um cartel". Na sua opinião, o problema, neste caso, "não é necessariamente o mecanismo de consenso de proof-of-work, mas sim o facto consumir uma quantidade desmesurada de eletricidade".

Assim, a outra variável que pode ser alavancada é "a possibilidade de mudar a rede elétrica e especificamente a rede das ‘mining pools’, ligando-as a uma forma mais limpa de eletricidade, com emissões mais baixas".

"Se olharmos para daqui a 10 anos, a taxa de 'hash' das 'mining pools' de Bitcoin, que está atualmente a utilizar combustíveis fósseis, vai cair drasticamente, será inferior a 50%. As emissões serão mais elevadas e poderão ser regulamentadas através de alguma forma de tributação ou taxas do carbono", sugere Adam. "Haverá mecanismos para os indivíduos encaminharem as suas transações de Bitcoin para ‘mining pools’ com emissões mais baixas e quando isso acontecer veremos uma bifurcação no preço do Bitcoin, onde algumas serão mais verdes e outras mais castanhas e associadas ao carvão. Por isso, acho que não será apenas uma questão em termos de regulamentação, mas também um caráter de mercado".

O processo de 'mining' de Bitcoin pode não envolver uma exploração mineira literal, mas também não é "exclusivamente digital", já que este processo está diretamente ligado ao mundo físico através do consumo de combustíveis fósseis, redes de energia e emissões, podendo assim ser mais uma agravante da crise climática que hoje vivemos.

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