A partir de maio, a primeira centena de ventiladores pulmonares desenvolvidos em Portugal deve estar nos hospitais do país. O projeto Atena nasceu no Norte — de longe a região mais afetada — e já tem o protótipo de um ventilador mecânico invasivo concebido e desenvolvido para salvar a vida de quem entra em falência respiratória aguda, uma das consequências da infeção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela covid-19.

Em três semanas, o CEiiA, em Matosinhos, distrito do Porto, ajudou a criar um ventilador pulmonar português. O projeto juntou os engenheiros deste centro de engenharia e desenvolvimento de produto a intensivistas, pneumologistas, anestesistas e internistas de hospitais públicos e privados do Norte e Sul do país e a Escola de Medicina da Universidade do Minho para conceber e desenvolver um novo ventilador que apoie o combate à covid-19.

Este ventilador português chegou à fase de protótipo funcional, para teste com pulmões artificiais, “cumprindo todos os requisitos funcionais definidos pela comunidade médica”, explica o CEiiA em comunicado.

“Este projeto resulta de três semanas de cooperação em que o CEiiA reorientou e emprestou à comunidade médica a sua capacidade de engenharia para o desenvolvimento de meios e equipamentos considerados decisivos no combate à doença”, acrescenta.

Esta quinta-feira, o CEiiA anunciou que EDP, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação La Caixa/BPI e REN são as primeiras entidades a apoiar o projeto, o que permite apontar já para maio a chegada dos primeiros aparelhos aos hospitais portugueses.

“O envolvimento destas quatro entidades foi determinante para reforçar a nossa capacidade de resposta no desenvolvimento destas primeiras 100 unidades. Temos consciência de que se trata de uma meta ambiciosa mas temos um desafio maior pela frente, o valor da vida, e para isso é necessário que existam nos hospitais os ventiladores necessários para que não seja necessário fazer escolhas em função da idade”, explica José Rui Felizardo, CEO do CEiiA-Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto.

Depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendar que os países se apetrechassem com ventiladores pulmonares para responder a esta emergência de saúde, o CEiiA reordenou esforços para criar uma resposta nacional.

Os números da OMS, apontam para que 14% dos infetados com covid-19 tenham pneumonia; e 5% dos doentes evoluam para um estado muito crítico dos pulmões.

A isto junta-se a “responsabilidade especial de a ciência e a tecnologia encontrarem respostas, do envolvimento de quem usa e sabe de medicina, de experiência em engenharia de desenvolvimento, mas sobretudo de cooperação e planeamento, de dedicação e compromisso”, diz o centro no comunicado.

“Para a comunidade crescente de profissionais envolvidos neste projeto, há um mesmo sentido: 'por ti, por nós, por todos’.

Apesar da urgência na busca desta solução que pode responder a todas as situações de falência respiratória aguda, incluindo os casos mais graves como os da covid-19, tem do ponto de vista técnico e de segurança vários requisitos, como controlar todos os parâmetros essenciais para responder à doença respiratória aguda (volume corrente, frequência respiratória, FiO2, PEEP, rácio I:E, pressão de suporte, trigger, ciclagem), incluindo os modos de volume controlado, pressão controlada e pressão assistida; emitir alarmes críticos à monitorização do paciente (pressão pico, pressão fim expiração, pressão fim inspiração, volume minuto, frequência respiratória); e funcionar a partir da rede de gases hospitalar ou de botijas (versão portátil).

“Entre as características também definidas e validadas pela comunidade médica estão ainda a sua utilização fácil e intuitiva, de fácil movimentação, seguro e fiável e também simples de limpar e descontaminar. Em termos técnicos, deve garantir o seu funcionamento contínuo sem falhas por um período mínimo de 15 dias, 24 horas por dia, e ser compatível com outros componentes médicos”, explica o CEiiA.

Em Lisboa, um grupo de voluntários desenvolveu um ventilador de código aberto e baixo custo

Um grupo de voluntários do '#ProjectOpenAir' anunciou esta quarta-feira que conseguiu construir um ventilador de emergência para cuidados intensivos que utiliza apenas materiais e componentes industriais comuns.

O grupo, que integra especialistas do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Faculdade Nova de Lisboa e do Instituto de Ciências Nucleares aplicadas à Saúde, terminou com sucesso a primeira fase do desenvolvimento de um ventilador de código aberto (cujos componentes não estão sujeitos a direitos de autor) para cuidados intensivos com um valor de produção muito inferior ao padrão.

O modelo construído, apesar de não possuir a sofisticação dos habituais ventiladores pulmonares, "pode ser muito útil nas atuais circunstâncias", disse em entrevista à agência Lusa Paulo Fonte, um dos mentores do projeto.

"A grande mais valia deste ventilador é que pode ser construído rapidamente com recurso a componentes baratos e de fácil acesso, o que significa que pode ser produzido em massa e em qualquer parte do mundo, a um baixo preço e com grande rapidez", explica o físico.

O investigador diz que o grande problema que o mundo enfrenta no combate à pandemia Covid-19 é o facto de ser precisa uma quantidade extraordinária de ventiladores no prazo de poucas semanas, a que se junta um problema com a indústria e o comércio internacional na obtenção dos componentes necessários.

"O nosso projeto partiu deste problema e procurou dar resposta a esta situação de extremo constrangimento e escassez de recursos", diz o mentor da ideia.

Sobre o aparelho, Paulo Fonte diz que é algo "muito pouco sofisticado" e que deve ser visto como uma "solução de último recurso, quando não houver mais possibilidades".

"O que construímos não é algo que possa ser utilizado nos hospitais em condições normais, mas algo que poderá valer quando tudo o resto falhar. É a última opção quando não houver mais alternativa para salvar a vida do doente. Não é um ventilador como os que estão atualmente nos hospitais, mas é uma solução de último recurso depois de esgotadas todas as possibilidades", sublinha o professor do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.

Os detalhes do desenvolvimento e do equipamento foram sistematizados num artigo científico intitulado "Proof-of-concept of a minimalist pressure-controlled emergency ventilator for COVID-19" e Paulo Fonte acredita, esperançado, que o aparelho pode nem vir a ser usado no nosso país, ms considera que em outros países pode ser "valioso".

"Oxalá em Portugal isto não seja preciso, mas suspeita-se fortemente que o mesmo não venha a suceder em outros lugares do mundo, como na Índia ou em África, locais com grande necessidade e poucos recursos disponíveis", adianta o investigador, que pede ainda o apoio da indústria para que esta solução possa ser replicada em massa e rapidamente estar no terreno.

"Para isto ser útil temos de ter tudo pronto numa semana. O tempo corre contra nós e contamos com a indústria para o produzir em grande quantidade", conclui.

Portugal está a tentar duplicar a capacidade

Esta quinta-feira, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, disse que o país está a tentar duplicar a quantidade de camas ventiladas para enfrentar a pandemia de covid-19, que fez, até agora, 209 mortos em Portugal.

“Entre ofertas, compras e empréstimos, estaremos em condições de duplicar a nossa capacidade de ventilação: Foram oferecidos 400 ventiladores invasivos, muitos dos quais já chegaram aos hospitais e outros com previsões de entrega muito em breve”, afirmou António Lacerda Sales durante a conferência de imprensa da Direção-Geral de Saúde (DGS) sobre a evolução da pandemia em Portugal.

“Estamos a reforçar a nossa capacidade de ventilação”, garantiu, lembrando que as situações mais graves da covid-19 obrigam a cuidados intensivos e que muitos dos doentes internados nos hospitais “precisam de ventiladores na sua luta pela vida”.

Neste momento há 240 pessoas em cuidados intensivos, segundo os dados divulgados hoje pela DGS, que apontam para mais de nove mil pessoas infetadas com a covid-19, das quais 1.042 estão internadas em hospitais.

António Lacerda Sales lembrou ainda os ventiladores não invasivos cedidos a título de empréstimo e os 900 ventiladores adquiridos pela Administração Central do Sistema de Saúde: Alguns destes últimos já estão em Portugal e outros “144 chegarão este fim-de-semana ao país”, acrescentou.

A informação foi corroborada por João Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos e também coordenador da equipa da DGS na área dos cuidados intensivos para planeamento e operacionalização destes recursos.

O responsável pela equipa da DGS explicou que o material que vai chegar durante a semana será distribuído pelos diferentes hospitais de acordo com critérios específicos, tendo em conta as necessidades, a urgência e critérios de segurança “para que os doentes sejam tratados da melhor maneira possível”.

Além da aquisição de novos materiais, João Gouveia sublinhou durante a conferência de imprensa, que decorreu em Lisboa, que tem sido feito um trabalho de recuperação de material que estava a necessitar de alguns arranjos.

Houve “um crescer significativo da capacidade instalada” da medicina intensiva, com mais profissionais a trabalhar com medicina intensiva. “Mas é obvio que também é necessário material”, lembrou João Gouveia.

Além das respostas do sistema de saúde, o responsável pelo Ministério da Saúde voltou a chamar a atenção para a importância de manter as regras de isolamento social, como forma de tentar conter a disseminação do novo coronavírus.

“Numa altura em que se renova o estado de emergência, importa manter a malha apertada ao novo coronavírus, quer através da contenção social, quer robustecendo os mecanismos de respostas do sistema de saúde, capacitando-o para as novas fases da epidemia”, defendeu o secretário de estado.

Um decreto presidencial prolongou o estado de emergência por um segundo período de 15 dias, que vigorará até às 23:59 do dia 17 de abril, incluindo todo o período pascal.

Segundo o balanço feito quinta-feira pela Direção-Geral da Saúde, em Portugal registaram-se 209 mortes, mais 22 do que na quarta-feira (+11,8%) associadas ao novo coronavírus, e 9.034 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 783 em relação à véspera (+9,5%).

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 940 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 47 mil.

*Com Lusa