Nos últimos anos Molenbeek esteve em todos os jornais e noticiários pelas piores razões. Em novembro de 2015 um grupo de jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico (EI) semearam o terror em bares, restaurantes, nos arredores do estádio de France e numa casa de espetáculos de Paris, matando 130 pessoas. Salah Abdeslam foi o único suspeito destes ataques que sobreviveu. Ao contrário do seu irmão Brahim, não se explodiu naquele dia fatídico. A polícia acredita que Salah teve um papel fundamental na organização destes ataques, tendo ficado encarregue de alugar os veículos e as casas utilizadas pelos terroristas. O jovem, hoje com 28 anos, conseguiu fugir de Paris acabou por ser capturado em Molenbeek, o seu bairro, a 22 de março de 2016, numa operação que a polícia acredita ter sido o detonador dos atentados de 22 de março em Bruxelas que deixaram 32 mortos.

Pobre e radicalizada. A comuna de Molenbeek tornou-se mediática por ser um “terreno fértil” para terroristas no coração da Europa. Julie ainda se lembra: “muito jornalistas vinham a Molenbeek e faziam perguntas sobre Salah Abdeslam”, conta. Mas nada disso importava para a equipa desta empreendedora de 36 anos. “Estávamos ali para criar novos negócios e ensinar jovens a programar. Portanto, falávamos somente de empreendedorismo e de tecnologia, nada mais. A MolenGeek está em Molenbeek por causa de Ibrahim, se ele fosse de outra comuna o projeto teria nascido noutro local”, conta-nos.

E foi MolenGeek que trouxe Julie Fulon ao palco da GEN Summit, a cimeira de media que está a decorrer em Lisboa até 1 de junho. Em plena Molenbeek, distribuídos por 500 metros quadrados e dois pisos, funcionam uma escola de programação, uma incubadora e uma empresa. O lema é “aprender fazendo” e não há pré-requisitos para entrar, sejam financeiros ou de formação. Destinado a desempregados e jovens que cedo abandonaram a escola, aqui o passado e o contexto ficam lá fora, porque para “ser empreendedor ou programador basta motivação e trabalho duro”, diz-nos Julie.

Em 2017 a escola de programação teve duas turmas, este ano aumentou para cinco e o objetivo é que em 2019 sejam formadas dez turmas. “A escola de programação prevê seis meses de formação. Nos primeiros quatro meses os alunos aprendem a programar e nos últimos dois meses vão para a Fábrica, um serviço da MolenGeek onde trabalham em projetos concretos para clientes reais e que normalmente são sites ou aplicações”, explica Julie. Uma vez na Fábrica, os alunos “são integrados numa equipa, conhecem os clientes e aprendem todas as soft skills necessárias para realizar um projeto de A a Z, desde a abordagem ao cliente, à gestão do projeto, passando pela atribuição de preço”, acrescenta.

Na área de incubação de projetos, a MolenGeek desenvolveu “um programa de dez semanas em que se começa pelo básico, desde definir o que é uma empresa, até explicar porque é que se pagam impostos. Depois à formações específicas dedicadas a modelos de negócio, questões jurídicas, treino de pitch, entre outras coisas. E as startups estão a trabalhar no mesmo espaço que os estudantes da Fábrica, o que é interessante, porque é aí que projetos se transformam em negócios e que empresas já criadas ficam a par das mais recentes tendências a nível tecnológico”, conta Julie, que não esconde a excitação ao transmitir que 40% dos alunos da MolenGeek são mulheres.

“Fico muito feliz com estes números porque geralmente a presença de mulheres neste universo é reduzida. Por um lado é uma maneira de habilitar e estimular a autonomia das mulheres, que podem desta forma criar o seu próprio emprego; por outro lado, acho que se trouxermos mais mulheres para o setor os projetos serão mais pertinentes, porque nós não usamos a tecnologia da mesma forma que os homens. Desta forma o presente será mais interessante, relevante e competitivo”, defende.

Mas MolenGeek não é um espaço apenas para os menos favorecidos, e as suas ambições excedem em muito uma visão redutora de paliativo social.

“Na MolenGeek temos uma mistura de pessoas, algumas são de facto provenientes de contextos mais difíceis, mas outras têm cursos superiores e empresas de sucesso. Aqui não nos interessa o contexto social, interessa-nos empreendedorismo e tecnologia e é disso que falamos”, remata Julie. E com o apoio da Samsung e da Google, este projeto quer, nada mais nada menos, fazer de Bruxelas a próxima Silicon Valley.