Há mais de uma década que a Apple é, em matérias de capitalização bolsista, a líder indiscutível. Como lembra o The New York Times (NYT), a empresa da maçã ultrapassou pela primeira vez a petrolífera Exxon Mobil como a empresa mais valiosa do mundo em 2011 e desde então manteve-se mais ou menos firme no topo do cume.

Contudo, a vida é feita de ciclos. Foi o que aconteceu em 2011 e, ao que tudo indica, o que aconteceu na última sexta-feira, dia 12, quando a Microsoft ultrapassou a Apple e acabou o dia com o estatuto de empresa cotada em bolsa mais valiosa do mundo — a Microsoft terminou o dia a valer 2,89 biliões (dos trillions) de dólares, mais do que os 2,87 biliões de dólares da Apple, segundo as contas da Bloomberg. À hora de publicação deste artigo, a posição de #1 da empresa fundada por Bill Gates e Paul Allen mantém-se.

Analisando os números, apesar da usurpação do trono, a distância entre ambas não é muita. É uma luta taco-a-taco e o mais provável é que nos próximos tempos até cheguem a trocar de posição uma e outra vez. Ainda a 14 de dezembro, a Apple fechou a sessão com uma valorização de 3,1 biliões (dos trillions) de dólares, isto é, a valer quase tanto como todas as empresas francesas cotadas em bolsa — juntas.

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  • Assim como ter a Microsoft à frente da Apple não é inédito: já aconteceu duas vezes. Em 2018, quando o seu negócio de computação em nuvem começou a florescer, e em 2021, quando a pandemia conduziu à escassez da cadeia de abastecimento dos iPhones e abalroou o preço das ações.

Apple: 2024, um ano que se espera difícil

A posição da Apple na bolsa tem sentido - e muito - o toque do comportamento comercial do iPhone na China. As vendas ficaram aquém em 2023 e em 2024 não se avizinham grandes alterações nesta frente, uma vez que o governo chinês proibiu a utilização dos dispositivos da tecnológica de Cupertino e a Huawai está concentrada em ganhar cada vez mais quota no mercado.

Mas segundo o New York Times não é o único motivo que preocupa: além de os analistas estarem a prever que a faturação com os novos iPhones não vai impressionar, a Apple também está a assistir a um declínio de vendas dos iPads e Macs, assim como o crescimento das vendas dos seus serviços (Apple Music, etc) também tem vindo a abrandar.

Depois, convém não esquecer, há toda uma batalha jurídica com a Masimo que prejudicou as vendas dos dois modelos mais avançados dos seus relógios inteligentes nos EUA.

Satya Nadella, Microsoft CEO
Satya Nadella, Microsoft CEO créditos: EPA/GREGOR FISCHER

As apostas da Microsoft

A Microsoft não lidera uma transição tecnológica desde os primórdios dos computadores pessoais, vulgo PC’s, quando o seu sistema operativo Windows era dono e senhor destas máquinas. Como salienta o New York Times, "chegou tarde à Internet, aos telemóveis e às redes sociais". Mas quando foi a altura de apostar na inteligência artificial e na nuvem não foi de modas e carregou prego a fundo no acelerador.

Em 2014, quando Satya Nadella foi apontado como CEO e anunciou que ia acabar com 18 mil postos de trabalho, a Microsoft não tinha o fulgor destes dias e era uma gigante estagnada. Para inverter essa situação, Nadella fez duas fortes apostas: primeiro na computação na nuvem, fazendo concorrência à Amazon, a pioneira neste domínio; depois, em 2019, quando deu ordem para fazer o primeiro de vários investimentos (avultados) numa tal de OpenAI.

Chegados ao final do verão de 2022, novo reforço de intentos. Diz-se que Nadella terá ficado tão impressionando com o poderio do GPT-4 durante uma demonstração que não perdeu tempo e deu ordens para se colocar a magia do atualmente famosíssimo chatbot ao serviço do Bing. Hoje, sabemos que não se ficaria por ali, uma vez que a IA já está em simbiose com muitos produtos e aplicações do Windows e da nuvem (até os clientes da Azure já podem usufruir da tecnologia OpenAI).

  • A aposta foi grande, mas aparentemente acertada. Em outubro de 2023, quando apresentou os resultados do trimestre fiscal, que fechou a 30 de setembro, a Microsoft reportou que o segmento de inteligência artificial e nuvem, que inclui a Azure e o copilots, faturou 24,3 mil milhões de dólares — mais 700 milhões de dólares do que o esperado, segundo o Jornal de Negócios.
Microsoft Bing
Microsoft Bing créditos: Jason Redmond / AFP

O futuro e a Inteligência Artificial

Não há dúvida do motivo e o que está a provocar esta oscilação no trono: tudo se resume à inteligência artificial. É que, pese embora a indústria tecnológica continue a dominar o topo da lista das empresas mais valiosas em bolsa, aquelas que apostaram as suas fichas - ou estão de uma maneira ou de outra ligadas - à  IA generativa, são as que mais entusiasmam os investidores. Segundo as contas do NYT, o valor combinado da Microsoft, da Nvidia e da Alphabet, a empresa-mãe da Google, aumentou 2,5 biliões (dos trillion) de dólares no ano passado — números que superaram os da Apple.

Agora, a questão que agora se coloca é: qual vai ser a resposta da maçã depois de ferrada a dentada? Enquanto a Microsoft e outros têm estado a turbinar as suas ferramentas com IA generativa e a abusar do rótulo "IA" nos seus produtos para chamar a atenção dos investidores, a Apple tem optado por fazer exatamente o oposto e tem estado a jogar ao silêncio. Se é por ter alguma coisa na manga (há notícias que sugerem que há engenheiros em Cupertino a trabalhar no "Apple GPT"), por não querer entrar no hype train em torno da tecnologia ou porque quer manter o foco nos óculos Vision Pro (que vão estar à venda nos EUA já a partir no próximo dia 2 de fevereiro pela módica quantia de 3,500 dólares), não se sabe.

Mas enquanto há essa dúvida, com a venda de iPhones a cair e a Microsoft a somar lucros acima do esperado com a aposta na inteligência artificial, o paradigma em torno da "empresa mais valiosa do mundo" parece estar a prestes a mudar.