“Ninguém sabe o que é, mas vai ser incrível”. É este o slogan da startup O Benefício, que hoje se tornou uma das primeiras empresas portuguesas a entrar no mercado dos NFTs. Mas engane-se quem começar a imaginar esta empresa como uma fornecedora de serviços financeiros ou tecnológicos, complexos de explicar. Ricardo Nunes, um dos fundadores do Benefício, descreve a empresa como “uma editora completamente diferente de todas as outras”, um laboratório de inovação para pequenos produtores que não dispõem de recursos para investir em marketing, em desenvolvimento de produto e em disrupção.

Mas então o que faz mesmo O Benefício? O Airbnb é uma das maiores empresas de turismo e não possui um único hotel. A Uber não possui um único automóvel e é uma das maiores empresas de mobilidade do mundo. A startup portuguesa não possui uma única fábrica, mas, através da sua criatividade e conhecimento, tira proveito das unidades de produção e do know-how de parceiros para criar novas linhas de receita para ambos. Para isto, utiliza a regra do 70/20/10:

  • 70% do tempo das empresas está alocado àquilo que fazem mesmo bem e que lhes gera mais receitas.
  • 20% está dedicado a pequenas inovações e otimizações que podem ser feitas, mas que não requerem um esforço gigante.
  • 10% está focado na disrupção e no desenvolvimento de novos produtos diferenciadores.

É neste último que O Benefício se quer especializar.

Um manifesto benéfico para todos

Tudo começou há quatro anos e meio, mais precisamente a 31 de outubro de 2016, data em que O Benefício foi criado por Ricardo e pelo seu amigo Paulo Fernandes. Nesse dia, tinham já produzido um manifesto com os valores que queriam para a sua empresa e dos quais não iriam abdicar em qualquer circunstância. Um deles era a sustentabilidade social: a startup é contra a destruição do valor do trabalho, por isso, se um parceiro lhe apresentar um orçamento, não tentam negociar para baixar o preço e limitam-se a pagar a quantia. O outro é a sustentabilidade ambiental: quaisquer produtos desenvolvidos pelo Benefício terão em conta os 3 Rs (Reduzir, Reciclar e Reutilizar), o que significa, além do cuidado com os matérias-primas utilizadas, que cada produto estaria limitado a séries de 100 unidades, que evitassem acumulação de stocks, que, por norma, geram desperdício. Cada série funciona como uma espécie de edição de um livro, ou seja, se depois de esgotada, continuar a haver interesse por parte de consumidores, são lançadas novas e assim sucessivamente para cada produto.

O primeiro produto desenvolvido foi um azeite, mas aquele que catapultou a empresa foi uma mochila feita à base de cintos de segurança reutilizados. Desde o seu lançamento, em 2017, a mochila já esgotou diversas edições e deu origem a outros produtos semelhantes que são desenvolvidos com o mesmo método. Por estas razões, o Benefício já tem um pólo de desenvolvimento a ser criado em Famalicão, só dedicado a esta gama, e vai expandir-se para outros mercados como a Polónia (com perspetivas de fazer o mesmo para a Alemanha, a Suíça e a Holanda).

De algo que se deve usar sempre nos carros, O Benefício passou para algo que não devemos consumir em excesso se vamos conduzir. Nos últimos anos, a startup portuguesa produziu um licor de Ginja, em memória da sua sede em Óbidos, duas aguardentes de medronho e de figo e ainda dois licores, todos a simbolizar aromas tradicionais do Algarve. Esta expansão geográfica de produtos não foi feita por acaso. “Nós olhamos para as cidades como oportunidades”, afirma Ricardo Nunes, ao explicar que a estratégia do Benefício para por criar ecossistemas de produtos locais, de norte a sul do país, onde encontrem potencial para desenvolver algo inovador. O Benefício encontrou três formas principais de trabalhar com os seus produtores parceiros:

  • O produto é uma co-criação e as receitas totais são divididas entre as duas partes.
  • O Benefício compra um lote de produtos à cabeça e coloca a sua margem sobre o custo de cada unidade.
  • A contrapartida dos produtores é composta por uma componente de produto, de dinheiro imediato e ainda de uma percentagem de futuras vendas.

E, entretanto, chegou a pandemia

No dia 13 de março, a startup portuguesa tinha uma reunião agendada com um fundo de investimento. Os perigos do Covid-19 já estavam perfeitamente alertados na sociedade portuguesa, mas esta era a oportunidade para O Benefício receber um apoio financeiro para escalar o seu negócio. Na véspera, a 12 de março, Ricardo e Paulo receberam uma mensagem de que uma das pessoas da equipa do fundo de investimento tinha contraído o vírus e que, por esse motivo, a reunião teria de ser adiada. Um mês mais tarde receberam a notícia que mais temiam: o fundo ia travar investimentos em “projetos exteriores” e, em vez disso, reforçar o apoio económico a empresas nas quais já tinha uma participação e que começavam a enfrentar os primeiros desafios colocados pela pandemia.

De acordo com os fundadores do Benefício, a sua primeira reação foi “Bora reinventar, bora reestruturar, bora fazer coisas”. Mas a pandemia exigia outro tipo de reflexão. O contexto agora era diferente e aquilo que tinham definido no manifesto do Benefício em 2016 podia já não ser possível de concretizar. Regressaram ao documento e fizeram um ponto de situação da empresa.

“Sempre quisemos ser uma empresa que não é refém de nada”, confessa Ricardo Nunes. A startup tinha sido desenhada para não ceder a pressões de conjuntura nem comprometer os seus valores sociais e ambientais. Em primeiro lugar, a empresa tinha um ciclo de aceleração de produto muito eficaz, que não sofreria grandes alterações, por não deter meios de produção próprios. “Nós, em média, conseguimos num mês e meio pôr o produto cá fora (...) com estudo de mercado, desenvolvimento de imagem e otimização de processos”, de acordo com o co-fundador da empresa. Em segundo lugar, desde a criação do Benefício que todos os produtos eram vendidos na sua loja online, por isso a empresa não tinha de fazer uma transformação digital complexa como aquela que foi exigida a muitas empresas. E, por último, a startup portuguesa tinha à sua disposição opções que a permitiam ter um método mais Lean (filosofia popular no meio empreendedor), que poupava desperdícios e, por conseguinte, custos em diferentes etapas do desenvolvimento de um produto. Portanto, vistas as coisas, até estavam numa posição favorável para enfrentar as novas condições do mercado.

O Gin e o NFT

Nos últimos meses, entre as várias ideias que Ricardo e Paulo tiveram, aquela com a qual se entusiasmaram mais foi um gin. Mas não um gin qualquer. Um gin à base de uma matéria-prima que, até agora, ninguém tinha pensado em usar: o cânhamo. “A planta vai ser muito importante para o futuro da humanidade”, diz Paulo Fernandes. De acordo com os fundadores do Benefício, o cânhamo tem uma série de aplicações desde a capacidade de se produzir papel, pão e certas fibras de uma forma sustentável e é resistente a secas, o que é importante no contexto de aquecimento global que se tem verificado nas últimas décadas.

Contudo, como em todos os produtos, a startup precisava de encontrar um ou mais parceiros para desenvolver o gin. Há cerca de seis meses, o Benefício passou a fazer parte da ANEBE (Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas), pelo bom trabalho que já tinha realizado com os seus licores e aguardentes e foi pela associação que a empresa foi apresentada à GinT de Tiago Sanches, uma marca de gins portuguesa. Foi com ela que tiveram a ideia de utilizar a flor de cânhamo como elemento central da nova bebida. Para Ricardo Nunes “foi um golpe de sorte, diferenciador nesse aspeto, mas a sorte também é de quem a procura”. Depois de um período de desenvolvimento, a gama de gins do Benefício foi lançada no passado mês de abril, com três produtos - o Delicado, o Estival e o Herbal - e... algo mais.

No manifesto do Benefício, os fundadores já revelavam o desejo de que os seus produtos ultrapassassem a dimensão física, que se tornassem uma espécie de culto, algo que pudesse ser, de certa forma, colecionável. Durante algum tempo, não tinham à sua disposição os meios tecnológicos para fazer isto acontecer, mas atualmente, com o boom da criptoeconomia e da blockchain já existem ferramentas e plataformas para isso. Chamam-se NFTs (Non-Fungible Tokens). Na sua essência, são ativos digitais únicos (ou seja, existem de forma limitada sejam 1, sejam 1000) como imagens, vídeos, músicas, arte ou qualquer produto colecionável, colocados à venda numa complexa rede de informação - a blockchain - que permite que todas as transações feitas com os mesmos, bem como os seus “donos atuais” possam ser verificados em qualquer altura.

Para tornar os gins num NFT, os fundadores tiveram, nas suas palavras, “uma ideia alucinada”. Criar uma música de 700 segundos (com a ajuda dos amigos Nuno Gervásio e Tiago Castro), dividi-la em 100 momentos (em alusão às séries de 100 unidades), publicar cada um desses segmentos musicais numa plataforma de NFTs e gravar o endereço eletrónico na blockchain de cada um desses segmentos em 100 garrafas de gin. Deste modo, o Benefício criava 100 NFTs únicos, com uma componente digital através da música e uma componente física através da série de garrafas. Faltava agora só uma plataforma, na qual pudessem passar da teoria à prática.

A escolhida foi a Mintbase, empresa sediada na Startup Lisboa, que deu a Ricardo e Paulo uma solução para o principal problema que encontravam nesta iniciativa: a maior parte das plataformas de NFTs são construídas na rede de blockchain da Ethereum, que consome muita energia e que não é propriamente muito amiga do ambiente. Além da sua plataforma atual (à base de Ethereum), a Mintbase está a desenvolver outra plataforma, baseada numa criptomoeda diferente, que é ambientalmente neutra e que consome 10 mil vezes menos energia do que a Ethereum. Problem solved.

Desde que lançou o pré-registo para o seu NFT, o Benefício já teve tráfego de 150 países no seu site e 25% do mesmo são pessoas a querer saber mais sobre esta iniciativa. Para Ricardo e Paulo, os NFTs vão permitir o teste de novos métodos de produção e distribuição, a expansão mais rápida para vários mercados e ainda trazer valor a pessoas que são “um microcosmos” em Portugal. “Ainda não sabemos, mas a blockchain vai mudar isto tudo”, afirmam.

Os NFTs do Benefício estão disponíveis desde ontem e podem ser adquiridos aqui.