No Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico, Elena Tatarova lidera uma equipa que usa a mesma força que anima o sol e os relâmpagos para guiar cada átomo e fabricar o material mais forte que se conhece: o grafeno.

Do outro lado do Tejo, na Caparica, uma das mais premiadas cientistas portuguesas, Elvira Fortunato, e Rodrigo Martins, da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, coordenam investigadores e estudantes que tornam a fantasia realidade com uma revolução iminente: o papel eletrónico.

Composto por átomos de carbono dispostos numa camada única em estrutura hexagonal, o grafeno em que trabalha a equipa no Técnico é um material bidimensional, em que a matéria só se move no plano horizontal.

“Poderá potencialmente substituir muitos materiais convencionais” e, pelas suas propriedades de extrema condutividade térmica e elétrica, pode servir para aplicações que vão da dessalinização da água ou do desenvolvimento de sensores capazes de identificar moléculas individuais ao armazenamento de energia em supercondensadores que poderão um dia substituir as baterias como hoje as conhecemos.

O desafio da equipa liderada por Elena Tatarova é chegar a um método de produção em massa do mais puro grafeno, e a cientista acredita que dentro de um ano terá pronto o protótipo desse futuro laboratório com tecnologia para “mudar as regras do jogo”.

Os métodos atuais de fabrico de grafeno, disseminados na Ásia, incluem a esfoliação com ácidos, que desbastam a grafite, o mesmo mineral dos lápis de carvão, até se chegar à camada única que caracteriza o grafeno.

O problema, diz Elena Tatarova, é que os químicos usados “praticamente destroem a estrutura do grafeno” e nunca se obtém um material puro, livre de moléculas de oxigénio ou defeitos.

A aposta do Técnico - para a qual recebeu este ano quatro milhões de euros do projeto europeu Pegasus, no qual participam cinco países - é o uso do plasma, um estado da matéria semelhante ao gasoso, que é o meio com mais densidade energética que se conhece no Universo.

“Trabalhando com o plasma, controlamos cada átomo e molécula, e o fluxo das partículas em tempo real, o que nos permite usar mais eficazmente a energia, essencial para a produção a baixo custo”, afirma Elena Tatarova.

Usando o plasma, pode “arquitetar-se o material à escala atómica”, escolhendo a posição de cada átomo e fazendo combinações, como por exemplo o 'n-grafeno', em que coexistem átomos de carbono e de nitrogénio (azoto), com extraordinárias propriedades de armazenamento de energia.

Além disso, o plasma consegue retirar e dirigir os átomos de carbono de qualquer forma de biomassa ou até mesmo do ar, de qualquer fonte de carbono.

“O lixo é biomassa”, salienta, e tudo pode ser usado como matéria-prima, o que torna o método do plasma um campeão em sustentabilidade ambiental.

Um feixe de luz e um zumbido forte assinalam o funcionamento do reator de plasma de um dos laboratórios do Instituto, onde coexistem máquinas de milhões de euros.

Depois de alguns minutos de funcionamento, é recolhido o material, em minúsculos flocos absolutamente negros.

“O nosso método é o mais eficaz. Aqui, um grama de grafeno puro pode ser produzido por 45 euros. No mercado, atualmente, um grama pode valer entre 500 e mil euros”, afirma Elena Tatarova.

No Centro de Investigação de Materiais (Cenimat) da Universidade Nova, “não há limites quando se quer fazer boa ciência” garante Elvira Fortunato, demonstrando como uma máquina de laser usada na indústria para fazer carimbos ou gravar logótipos em malas pode ser usada para criar sensores com grafeno a partir de plástico normal.

Rodrigo Martins aponta que a ficção científica e a fantasia são fontes de inspiração: o jornal “Daily Prophet”, de leitura obrigatória no mundo de Harry Potter, cujas fotografias são animadas e que interage com o leitor, poderá ser uma realidade de tecnologia de ponta que o Cenimat pretende liderar.

No próximo ano deverá começar a funcionar uma unidade-piloto de investigação e produção de papel eletrónico, usando como matriz um material fabricado há mais de dois mil anos.

Elvira Fortunato, galardoada pela descoberta do transístor de papel, aponta usos como a criação de passaportes impossíveis de falsificar, com a aplicação de “eletrónica transparente embebida numa folha de papel.

No Cenimat já se estudam inúmeras aplicações da eletrónica flexível e descartável, como uma pulseira que os bombeiros podem usar no pulso para detetar a presença de gás inflamável ou papel de embalagem para alimentos com sensores que detetam o ph e dizem quando está fora de prazo.

João Ferrão, um aluno de mestrado em Engenharia Biomédica, trabalha num biossensor de glucose de papel que poderá tornar obsoletos os atuais aparelhos usados pelos diabéticos, desempenhando a mesma função por uma fração do preço.

Usando nanopartículas de ouro que mudam de cor conforme a concentração de glucose, trata-se de uma pequena tira de papel onde uma pessoa pode colocar uma gota de sangue e obter, usando uma aplicação para telemóvel que lê a amostra através da câmara, uma leitura exata dos níveis de glucose no sangue.

Ao lado, uma impressora a três dimensões fabrica paulatinamente uma estrutura a partir de resina líquida que será usada para cultivar pele artificial, que poderá ser usada para testar cosméticos e medicamentos.

“Este metro quadrado custou um milhão de euros”, aponta Elvira Fortunato ao passar pelo microscópio eletrónico onde se observam fibras individuais de celulose que podem ser cortadas, impressas ou manipuladas com um feixe dirigido de eletrões.

Este equipamento já serviu para encontrar defeitos nos airbags de uma marca de carros que afetou milhares de veículos, o que segue a filosofia de “colocar estes conhecimentos ao serviço da sociedade e das empresas”, refere a cientista.

Na chamada “câmara limpa” do Cenimat, onde só se entra vestido com material protetor e depois de passar por uma câmara de descontaminação, é onde a pesquisa mais “hi-tech” se realiza.

O ambiente é cuidadosamente controlado e pressurizado para evitar qualquer contaminação de partículas que, à nano-escala, podem arruinar as experiências.

O trabalho com microscópios eletrónicos consiste na impressão de intricados circuitos eletrónicos em material flexível, onde cada partícula é meticulosamente colocada.

"Aqui não há livros bolorentos", refere Elvira Fortunato, rodeada de ideias, pessoas e máquinas que já concretizaram e superaram a profecia do cientista norte-americano Richard Feynman, pioneiro no estudo da nanotecnologia, que há quase sessenta anos previu que se poderiam escrever todos os volumes da 'Encyclopaedia Britannica' na ponta de um alfinete.