"Quando é que esta fase acaba?" foi a expressão mais ouvida nos diferentes painéis que compuseram o Sifted Summit. Por fase, entenda-se o período de praticamente dois anos em que o acesso a capital por parte de startups ficou mais complicado e os padrões de exigência dos fundos de investimento ficaram mais rigorosos, com medo de colocar dinheiro no projeto errado. Apesar da sua dimensão, o mercado de startups do Reino Unido está a enfrentar problemas bem parecidos com os restantes ecossistemas europeus. Comparando com Portugal, por exemplo, há mais VCs e há mais capital disponível, mas há também maior competitividade e um foco muito maior em métricas que vão para além do número de utilizadores ou de estimativas a longo-médio prazo. Os investidores querem receitas e dinheiro a ser gerado. Falou-se também da importância da missão de uma startup e do facto de colocar “AI” na descrição para chamar a atenção não ser uma boa estratégia de marketing a médio prazo.

A agenda do evento organizado pela Sifted versava sobre diferentes tecnologias, diferentes indústrias e até diferentes dinâmicas naquilo que é o dia-a-dia das empresas. Da inteligência artificial às novas tecnologias em prol do clima. Da saúde às fintech. Do recrutamento de um CTO aos desafios de fundar uma empresa sozinho. Estes temas estiveram distribuídos por quatro palcos principais - o Main Stage, o Spotlight Stage, o Impact Stage e o Startup Life Stage - e em todos houve sempre uma predisposição natural dos participantes para fazer perguntas e para, de alguma forma, retirar algum insight que fosse relevante para o seu negócio. Fossem os desafios da aplicação da IA generativa, o sistema de créditos de carbono como incentivos para a responsabilidade ambiental das empresas, a disparidade de género que ainda existe na liderança de startups e no acesso a investimento.

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No entanto, todos estes temas pareciam intersetar não só com o tema do capital, como com as diferentes formas de atuar entre a Europa e os EUA, no que diz respeito ao investimento e à regulação que as empresas enfrentam. Do que vi e ouvi, estes foram alguns exemplos que vale a pena destacar:

  • "Keynote com John Collision (Presidente da Stripe)": a gigante dos pagamentos tem os principais escritórios em Dublin e em São Francisco, ou não fossem os dois irmãos fundadores irlandeses. Neste painel, Collison fez o comparativo de que a falta de regulação torna os EUA mais fácil para um negócio escalar e ter avaliações mais elevadas, mas que as medidas mais zelosas da Europa face ao ambiente a podem tornar numa líder em “climate tech”, uma área para a qual todos os principais VCs estão a olhar.

  • "The American Dream": neste painel foram convidadas três startups para partilharem a sua experiência de internacionalizarem o seu negócio para os EUA e foi interessante perceber o poder que o rótulo “UK” teve na apresentação de cada uma. Nenhuma delas faz algo de particularmente diferente face a outras startups oriundas da Alemanha, França ou Portugal, mas o facto gozarem da reputação britânica mereceu outro tratamento por parte de investidores e clientes. No final do dia, o objetivo das instituições que promovem o ecossistema de inovação de um determinado país é criar esta aura que permita às startups locais construir pontes para outros mercados mais rapidamente.

  • "Is this the end of the slowdown?": Um painel muito focado no tema que abriu este texto, em que investidores britânicos e americanos fizeram as suas previsões para quando as coisas podiam melhorar. O consenso foi que dependia um pouco do uso que startups fossem dar a uma nova ronda de investimento: para aumentos de custos operacionais e para a entrada num novo mercado teria de estar tudo muito bem justificado com números. A melhor aposta? Algures no fim de 2024.

  • "Future of startups": este foi o tema de uma das meetupsorganizadas no Sifted Summit, onde 30 a 40 empreendedores e investidores se reuniam numa sala para falar livremente de um determinado tema. Nesta em específico, o termo “unicórnio” e o seu impacto muitas vezes nocivo foram os assuntos em destaque, bem como soluções para haver um investimento mais responsável, tanto da perspetiva das startups como dos fundos que alocam capital nos seus modelos de negócio. E, claro, o porquê de os EUA terem mais unicórnios.

  • "Most promising European startups": este foi um workshop dado pela própria Sifted, no qual apresentou o seu “modus operandi” para fazer a pesquisa de startups que depois inclui nos seus guias de indústria ou de países. Cada vez mais, players de media, como a Sifted e o The Next Big Idea, vão ter um papel fundamental na qualidade da informação que chega a VCs e startups, para tomarem melhores decisões e contribuírem para um contexto económico mais saudável. Ao longo do evento, alguns dos seus sponsors - Latham & Watkins, o banco HSBC, a Morgan Stanley, a Stripe, a Accenture, entre outros - também tiveram a oportunidade de organizar workshops em temas que lhes eram relevantes.

Apesar dos desafios, foi interessante observar o otimismo generalizado na melhoria de condições para as startups europeias. Mesmo com o Brexit, a maior parte das startups (britânicas) falou da Europa como um todo e da necessidade de encontrar soluções que beneficiem todo o continente. Se isso tem efeitos práticos e se é algo que vai ser benéfico para todos os mercados europeus, incluindo o português, é algo que vamos ter de ir observando nos próximos meses.